Por DANILO DANIEL PRADO ARAUJO
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A problemática da regularização fundiária rural e urbana é uma das questões mais importantes para entender a dinâmica da sociedade brasileira. Construiu-se historicamente uma estrutura em que a grande propriedade foi um dos principais meios de organização política, social e econômica do país.
Diferente dos EUA e da Austrália onde se utilizou o Homestead Act (1862) e Sistema Torrens (1858), respectivamente, para promover o ordenamento na ocupação do território ainda no século XIX, no Brasil houve uma profusão de leis, decretos e normativos que impossibilitou um ordenamento democratizado na ocupação das terras do país. O resultado é que o problema fundiário persiste no século XXI, sem um bom sistema de administração de terras.
É neste contexto de débil governança de terras que o novo marco legal para a regularização fundiária foi estabelecido com a sanção da Lei 13.465/2017, convertida após a aprovação da MP 759/2016, editada no apagar das luzes do ano de 2016 com pouca discussão com a população em geral.
Dentre as principais contribuições trazidas por essa lei ao ordenamento jurídico brasileiro destacam-se:
– No âmbito da regularização fundiária rural a desburocratização de instrumentos de obtenção de terras para reforma agrária, a revisão da titulação dos lotes, reorganização do processo de seleção de beneficiários, a regularização de lotes ocupados sem anuência do Incra, a ampliação da área a ser regularizada e dispensada de licitação em até 2.500 ha, a redução no preço de alienação do imóvel a no máximo 50% do valor mínimo da pauta de valores da terra nua do Incra e a ampliação dos efeitos da Lei 11.952/2009 para fora da Amazônia Legal;
– No âmbito da regularização fundiária urbana o novo marco legal desburocratiza, simplifica, agiliza e destrava procedimentos; amplia possibilidades de acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda; permite que o município operacionalize as ações para regularização, reconhece o direito de laje, disciplina o procedimento para a arrecadação de imóveis abandonados pelos municípios e promove o regaste da cidadania e a dignidade aos ocupantes dos núcleos urbanos informais.
Sob a ótica econômica, conforme propõe Soto (2001)*, a Lei 13.465/2017 contribuirá também para a conversão de assentamentos ilegais, vistos como “problemas” em oportunidades. O “capital morto” de valor inestimável poderá ser reanimado e transformado em “capital vivo”, o qual estará disponível aos interesses do mercado imobiliário, podendo contribuir para reativar a economia e combater a pobreza social dos municípios.
Apesar das contribuições trazidas pela nova legislação, em seis meses de vigência, foram ajuizadas no Supremo Tribunal Federal três ações de inconstitucionalidade (ADI 5771, ADI 5787 e ADI 5883) contra dispositivos da Lei 13.465/2017.
Dentre essas ações destaca-se a ADI 5771, ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Esta ação sustenta que, além de ser resultado da conversão de medida provisória, que não observou requisitos constitucionais de relevância e urgência, a lei “tem o efeito perverso de desconstruir todas as conquistas constitucionais, administrativas e populares voltadas à democratização do acesso à moradia e à terra e põe em risco a preservação do ambiente para as presentes e futuras gerações”.
O procurador-geral da República pediu, cautelarmente, a suspensão da lei em sua integralidade, sustentando que sua manutenção permitirá privatização em massa de bens públicos, “o que consolidará situações irreversíveis, como elevação do número de mortes em razão de conflitos fundiários, aumento da concentração fundiária (por atender aos interesses do mercado imobiliário e de especuladores urbanos e rurais), além de conceder anistia a grileiros e desmatadores”. No mérito, pede a declaração da inconstitucionalidade integral da lei.
Por outro lado, a advogada geral da União, Grace Mendonça, nas manifestações enviadas ao STF, defendeu a constitucionalidade da Lei. De acordo com a advogada geral da União, “a Lei 13.465/2017, em suma, promoveu diversos aprimoramentos no arcabouço jurídico em matéria de regularização fundiária, cujo objetivo foi exatamente permitir que os cidadãos brasileiros usufruam os benefícios dos imóveis dentro da regularidade jurídica, simplificando e desburocratizando procedimentos, em sua maioria previstos em dispositivos legais promulgados no século passado, que se mostravam ineficientes e insuficientes para o atendimento dos atuais anseios da sociedade brasileira na busca por melhores condições de vida”.
O mérito ainda não foi julgado pelo STF. As controvérsias em relação à Lei 13.465/2017 que colocam frontalmente visões e interesses do poder executivo e de entidades do setor produtivo, de um lado, e do ministério público e de entidades da sociedade civil, do outro, precisam ser apaziguadas o quanto antes sob pena de se estabelecer no país um ambiente de limbo jurídico acerca deste novo marco legal, prejudicando sobremaneira o alcance de uma boa governança da terra.
* Hernando de Soto é economista peruano e autor de “O Mistério do Capital – Por que o capitalismo dá certo nos países desenvolvidos e fracassa no resto do mundo ”