Domingo, 22 de Dezembro de 2024

Regularização Fundiária no Brasil: Impactos da Lei 13.465/2017

Por HAROLDO ALVARO FREIRE ARAUJO FILHO

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I – Débil Governanças de Terras no Brasil e o Consequente Problema Fundiário Brasileiro

Podemos afirmar que o imenso problema fundiário brasileiro decorre da débil governança de terras, que apesar dos históricos problemas no processo de ocupação do território, se já tivéssemos implementada uma responsável governança, esse problema teria sido reduzido, quiçá até extinto.

Incialmente é necessário entender o que é governança de terras, que por definição, é considerado como conjunto de regras, processos e organizações pelos quais se determina o acesso e o uso da terra de um país, que se dá por meio das políticas, da legislação, das regulamentações, dos programas, dos papéis e relações organizacionais, da capacidade de implementação, da disponibilidade de pessoal e dos sistemas de informações disponíveis. Possui uma dimensão participativa vinculada ao manejo dos instrumentos na busca da sustentabilidade socioeconômica e ambiental da terra. Uma responsável governança reconhece e respeita os direitos à terra; salvaguarda e protege os direitos diante de ameaças; garante acesso equilibrado à justiça e previne disputas, conflitos e corrupção. Além disso, prevê um cadastrado integrado, gestão integrada e transparente das informações territoriais, identificação dos posseiros mais vulneráveis, acesso à terra, titulação individual ou coletiva dos posseiros, regularização fundiária e segurança jurídica.

No Brasil, por faltar as características acima relacionadas, a governança de terra também é débil, porque é ineficiente, ineficaz e incompetente; não proporciona os serviços que os cidadãos desejam ou necessitam; não é transparente; não equilibra as necessidades das gerações presentes e futuras; incapaz de oferecer segurança e estabilidade; favorece a corrupção, por não ter uma clara divisão entre os interesses privados e as atividades de estado. Em suma, a governança de terras no Brasil é considerada precária porque a mesma nunca foi considerada e enfrentada com uma atividade de estado, mas sim uma atividade politiqueira.

Neste diapasão, reforçando a debilidade da governança de terras brasileira, temos leis, que regem a matéria, confusas, contraditórias e as vezes confrontantes, que tornam os processos penosos e extremamente burocráticos. Além disso para piorar a situação, no Brasil há vários órgãos que trabalham com a temática, sem integração e sem um eixo de coordenação, valendo a máxima: “todo mundo faz tudo e ninguém faz nada”. Desses diversos órgãos (Incra, SPU, ICMbio, Receita Federal, Ministério do meio ambiente, etc.) decorrem cadastros específicos que não são interligados, tornando-os dispendiosos para o usuário, como também, para o estado brasileiro, que se interligados e eficientes fossem trariam economia para máquina pública e até mesmo poderia se chegar a conclusão que não haveria a necessidade de se ter vários cadastros.

Pelo exposto, concluímos que a governança de terras no Brasil é débil porque nunca foi considerada como uma atividade de estado, agravada por um quadro legal extenso, confuso e contraditório e também por não possuir uma boa infraestrutura institucional que efetivamente a implante.

II – Conflitos Fundiários – Indefinição Posse e Propriedade – Responsabilidade Institucional – Origem Do Título E Cadeia Dominial

Os casos brasileiros de conflitos fundiários são oriundos da indefinição jurídica da terra, cujo cerne da questão está nas indefinições de posse e propriedade.

Inicialmente, é necessário considerarmos que a lei brasileira não define o que venha ser a propriedade, entretanto doutrinalmente ela é definida como um direito real oponível erga omnes que atribui ao seu titular as faculdades de usar, fruir e dispor do bem, porém, essa definição, não foi suficiente para gerar segurança jurídica aos proprietários de terras. Pois essa definição deveria estar acompanhada da definição fática, ou seja, defini-la geoespacialmente de forma inequívoca para que os direitos sobre a mesma pudessem ser exercidos de forma a trazer segurança jurídica. Toda essa indefinição é a causa da incapacidade do Estado de organizar e gerir o território nacional, onde o mesmo não trata a política fundiária como uma política de Estado, mas sim através de uma vasta gama de leis e Normas que tratam sobre direitos de propriedades, sejam elas públicas ou privadas, de forma fragmentada.

Quanto a posse, desde o descobrimento do país, a mesma foi considerada um direito fático que foi sendo convalidada no decorrer do tempo, tornando-se um modo originário de aquisição de propriedades.

Desta forma podemos concluir que no Brasil há dois direitos sobre a terra: a posse e a propriedade, os quais possuem diferenças significativas. A posse é um direito de fato, não está registrado em cartórios de registro de imóveis, podem ser cadastrados nos sistemas do governo e pode se tornar propriedade através de um processo judicial, enquanto que a propriedade é um direito real, está registrado em cartórios de registro de imóveis, devem ser cadastrados nos sistemas de governo e o proprietário pode perder sua propriedade por decisão judicial.

Agravando essa situação, no Brasil existem diversos órgãos que tratam da temática, os quais trabalham desorganizados, sem coordenação e produzindo vários cadastros, os quais ainda trazem diversos conceitos do que seja um imóvel rural, tornando o sistema de administração de terras ineficiente e acarretando em uma indefinição institucional quanto à responsabilidade. Esses diversos cadastros, SNCR/Incra, CAFIR/RFB, CAR/MMA, entre outros, não têm interoperabilidade entre eles, trazendo assim severas dificuldades para uma efetiva e eficiente governança agrária.

Outros importantes aspectos na análise dos conflitos fundiários são: a indefinição da origem do título e a dificuldade de construir a cadeia dominial, os quais, inicialmente, decorrem da incapacidade do Estado em definir a propriedade a partir da identificação das terras públicas, e em que momento ela passou a ser privada. Em seguida, após o código Civil de 1916 obrigar o registro de imóveis, o mesmo não foi baseado em informações sólidas sobre a dimensão, limites, confrontações e localização geográfica da propriedade em que estava senda declarada. Não bastassem por si só, tais fragilidades, propiciaram as fraudes e corrupções, acarretando em “direitos fabricados”, dificultando mais ainda a instalação de um bom sistema de administração de terras. Esses problemas não foram enfrentados nas legislações subsequentes, como o Estatuto da Terra e Constituição Federal de 1988, apenas com as determinações contidas na Lei 10.267/2001 criou-se a esperança de solucionar tais dificuldades.

Por fim, podemos concluir que para garantir os direitos de posse e propriedade é necessária a criação de um sistema de cadastros de terras, onde se define, claramente, a propriedade (limites, dimensão, localização geográfica, confrontantes, tipos de uso, dentre outros requisitos necessários) e um sistema de registro de direitos sobre a propriedade já definida e cadastrada. Por consequência, se assim for feito, indiscutivelmente, os casos de conflitos fundiários brasileiros caminharão para uma solução pacífica.

III – Possíveis Contribuições da Lei 13.465/2017 para Regularização Fundiária Urbana e Rural

A lei 13.465/2107 poderá trazer importantes contribuições para a regularização fundiária urbana e rural, as quais objetivam: desburocratizar, simplificar, agilizar e destravar os procedimentos da regularização fundiária.

Quanto às contribuições, da nova lei, no que tange a regularização fundiária urbana destacaremos: o conceito da Reurb foi ampliado em seu objeto, passando a considerar todos os núcleos informais com usos e características urbanas, ainda que situados em zonas rurais, que estão fora do perímetro urbano ou da expansão urbana, além disso, os conceitos de núcleo urbano, núcleo urbano informal e núcleo urbano informal foram consolidados, tornando a Reurb mais efetiva e abrangente. Trouxe a possibilidade da usucapião extrajudicial, através da legitimação da posse, onde a falta de manifestação do titular do direito registrado é agora interpretada como concordância. Criaram-se duas modalidades de regularização, a REURB-S (de interesse social), para populações de baixa renda, onde os registros serão gratuitos, viabilizados pela criação do fundo de compensação, e a REURB-E (de interesse específico), para a faixa da população não enquadrada na anterior. Cria-se o ato único do registro, onde o mesmo dispensará a necessidade de título individual para cada beneficiário. Além disso, apresenta: o mecanismo de legitimação fundiária que é o reconhecimento da aquisição originária do direito real da propriedade sobre unidade imobiliária objeto da Reurb; o direito de laje, qual seja, a superfície superior ou inferior de uma construção-base poderá ser considerada uma unidade distinta daquela originalmente construída; o condomínio de lotes poderá haver, em terrenos, partes designadas de lotes, que são propriedades exclusivas, e partes que são de propriedade comum; possibilita a arrecadação de imóveis abandonados, cria a possibilidade do loteamento de acesso controlado e a obrigatoriedade de alimentar o SINTER (Decreto 9.310/18).

No que tange as contribuições para regularização fundiária rural, a lei 13.465/2017 trouxe importantes modificações nas leis: 8.629/93 e 11.952/2009. Na Lei da Reforma Agrária (8.629/93) promove a desburocratização de instrumentos de obtenção de terras para programa, tendo como principais mudanças: a possibilidade de pagamento em dinheiro em aquisições via compra e venda ou hasta pública e o pagamento em precatórios, quando a indenização, após o transito em julgado, for superior ao ofertado pelo expropriante; revisa a titulação de lotes, facilitando o processo através da determinação de prazo limite para os assentamentos serem consolidados, como também a criação de uma pauta de valores para terra nua para a alienação; reorganizar o processo de seleção de beneficiários dando-o mais eficácia e transparência através da criação de critérios, ordem de preferência e vedações; por fim, regularizar lotes ocupados sem anuência do Incra, a partir de ocupações ocorridas, no mínimo, dois anos antes de 22 de dezembro de 2016, desde que observadas as vedações legais. Já na lei de regularização fundiária para Amazônia Legal (11.952/2009), promove importantes mudanças no conceito, aqui como principal inovação a inclusão de pessoa jurídica nas explorações pela atividade econômica; nos requisitos, tem-se que haver a ocupação direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores anterior a 22 de julho de 2008; no preço de alienação introduz a pauta de valores de terra nua para fins de titulação e regularização fundiária elaborada pelo Incra; possibilita a renegociação nos contratos inadimplentes até 22 de dezembro de 2016, dando o prazo de até 5 anos para renegociar, sob pena de reversão; autoriza a União proceder a venda direta de imóveis residenciais na Amazônia Legal, desde que o ocupante comprove o período de efetiva ocupação por igual ou superior a 5 anos, excluídos: aqueles administrados pelas forças armadas e aqueles indispensáveis ao serviço público; por fim, a principal inovação trazida pelo novo marco de regularização fundiária foi a ampliação da mesma para fora da Amazônia Legal, uniformizando assim, a norma quanto à regularização fundiária rural, tanto essa região como para fora dela.

Por conseguinte, a nova lei tem como mira a efetivação dos benefícios da regularização fundiária urbana e rural, quais sejam: inclusão social, proteção da propriedade, o direito à sucessão, valorização imobiliária, acesso as políticas públicas (crédito, infraestrutura, educação, seguridade social e outras), licenciamento ambiental, entre outros benefícios, mas para isso é necessário que ela tenha efetividade, ou como se diz no jargão popular que a “lei pegue”, ressaltando ainda que ela é objeto de três ADIs (ação direta de inconstitucionalidade) 5771, 5787 e 5883, no STF.