Sábado, 27 de Julho de 2024

Análise: orçamento do Incra nos últimos anos sofre com falta de planejamento e foco
Órgão é penalizado com desprestígio nos sucessivos governos e tem destinado cada vez mais recursos para o pagamento de sentenças judiciais; atividades finalísticas ficam negligenciadas.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) vem perdendo espaço na agenda nacional há anos com o dilapidação de sua estrutura, redução das atividades finalísticas e déficit no quadro de pessoal. A Carreira de Perito Federal Agrário e de Reforma e Desenvolvimento Agrário não ganham novos integrantes desde 2013, cujo último concurso já completa 10 anos, levando a um quadro preocupante em que o número de PFAs aposentados pode superar os da ativa em poucos anos. Todo esse cenário tem sido denunciado pelo Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) e outras entidades representativas dos servidores do órgão ao longo do tempo, mas o processo de sucateamento se agrava com o passar dos anos e isso torna o seu futuro incerto.

Enquanto trabalha para ampliar a relevância dos PFAs para além de sua atuação no Incra, com publicações técnicas, seminários e incentivo à produção de conhecimento, o SindPFA preparou uma análise detalhada do orçamento do Instituto nos últimos anos. Ficou constatada, por exemplo, uma grande diferença entre os valores do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) e os valores fixados na Lei Orçamentária Anual (LOA) entre 2009 e 2014, enquanto essa discrepância diminuiu nos últimos cinco anos. Em todo o período analisado, no entanto, os valores da Dotação Inicial e da Dotação Atualizada são próximos.

Como mostra o quadro abaixo, o orçamento da autarquia cresceu com o tempo, mesmo que longe do ideal, considerando todo o espectro de atribuições do Incra, mas o dado alarmante é que esse crescimento destinou-se, majoritariamente, ao pagamento de sentenças judiciais. De 2009 a 2012, observa-se a prevalência de três itens: aquisição de imóveis; concessão de empréstimos e financiamentos; e sentenças judiciais. De 2013 a 2014, quatro itens aparecem como mais relevantes em termos de gasto: aquisição de Imóveis; pagamentos de aposentados; da ativa; e sentenças judiciais. Já entre 2015 a 2020, três itens destacam-se dos demais em termos do percentual anual: pagamentos de aposentados; da ativa; e sentenças judiciais. Isso pode indicar uma tendência de que o Incra deixe de cumprir suas atividades finalísticas para tornar-se um mero ‘pagador de precatórios’, o que torna o cenário ainda mais temerário.

Evolução do orçamento anual do INCRA, de 2009 a 2020

Outros dois gráficos ajudam a entender o impacto das sentenças judiciais ao longo dos anos, mostrando claramente o quanto elas passaram a ocupar lugar de destaque na lista de prioridades, especialmente nos últimos dois anos, drenando recursos preciosos para o funcionamento do órgão e relegando a segundo plano atividades finalísticas que deveriam atender a milhares de famílias. Não se questiona, é claro, que as dívidas oriundas dos processos de desapropriação devem ser honradas, mas isso não deveria inviabilizar a própria razão de ser da autarquia.

Três maiores gastos do Incra de 2009 a 2014

Três maiores gastos do Incra de 2015 a 2020

Outro indicativo do declínio das atividades finalísticas é a queda nas despesas com diárias e passagens. Apesar de representarem pouco em termos percentuais do total do orçamento, essas despesas são indicadores relevantes da atividade dos servidores. A análise constatou que, entre 2009 e 2010, há uma elevação do gasto com diárias e estabilidade dos recursos destinados a passagens. De 2010 a 2011 acontece uma queda acentuada nas despesas com diárias. De 2011 a 2018, a diminuição continua a acontecer com diárias e passagens, mas de maneira menos abrupta. No entanto, de 2018 para 2019 a redução da despesa com diárias foi de 62% e, de 2019 até 19 de outubro deste ano, a queda foi de 78%. Em 2019, a Presidência do Incra chegou a fazer balanço de gestão e tratou a economia nas diárias e passagens como aspecto positivo, enquanto isso necessariamente significa menos vistorias, menos fiscalização e menos atendimento aos assentamentos.

Despesas pagas com diárias e passagens

Considerando todo o período analisado, de 2009 a 2020, a observada redução com esses gastos mostra que a cada ano os servidores estão se deslocando menos a serviço. No entanto, a questão orçamentária é apenas uma das preocupações de quem acompanha o dia a dia no órgão, pois apenas reflete o grau de importância que recebe do governo central.

“Como fica demonstrado pelos indicativos desse estudo orçamentário, o Incra vem perdendo importância no cenário nacional, não devido à sua relevância para as políticas de Estado, mas como opção deliberada em não promovê-las. Ao contrário, precisamos intensificar ainda mais nossas ações para que possamos, juntos com todos os que verdadeiramente se preocupam com o país, revertê-lo por meio da mobilização e diálogo. Afinal, o binômio terra/território é um ativo fundamental e tem papel estratégico – num viés de governança agrária – para qualquer governo que preze o bem estar da população e a própria soberania nacional”, afirma João Daldegan, Vice-Diretor Presidente do SindPFA.

Outro ponto que requer atenção é a possibilidade do governo transformar o Incra em uma agência reguladora. A proposta de criação da Agência Nacional de Terras consta em documento compartilhado pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal no começo de novembro e repercutiu na imprensa. O aperfeiçoamento da estrutura institucional não só é necessário como muito bem-vindo, mas alguns cenários de mudança podem significar preterição dos servidores ante um estreitamento do espectro de atividades de uma agência. O SindPFA acompanha com atenção e trabalha para ter assento nessa discussão, a fim de buscar o que for melhor para a governança agrária e o conjunto de servidores envolvidos.


PLOA 2021

A proposta orçamentária do Incra para 2021 mantém o padrão de despesas com sentenças judiciais e folha de pagamento (ativos e aposentados). As três ações representam 88% do orçado para o próximo ano, restando apenas 12% para a realização de todas as outras. Em setembro deste ano, em matéria intitulada ‘Bolsonaro reduz quase a zero orçamento da reforma agrária em 2021’, a autarquia disse não ter ingerência em relação aos recursos para o pagamento de despesas com sentenças judiciais e que, nas discussões do Orçamento de 2021, irá trabalhar para “reforçar as verbas destinadas às ações finalísticas”. O Congresso ainda não analisou o PLOA, condição fundamental para que as duas casas entrem em recesso.