Sábado, 27 de Julho de 2024

Ataques ao serviço público viraram moda
Para o Governo, a crise tem um único culpado: o servidor público

Não bastasse a Reforma da Previdência, ainda em tramitação no Congresso, o presidente Michel Temer anunciou na última semana de julho mais medidas: um Programa de Desligamento Voluntário (PDV) e a possibilidade de redução de carga horária. Em nota, o Ministério do Planejamento informou que o objetivo é aumentar a eficiência no serviço público e estimular o crescimento da economia com soluções que racionalizem gastos públicos e proporcionem crescimento econômico, quando na verdade há grande chance de que o oposto aconteça. Conforme já demonstrado durante governo de Fernando Henrique Cardoso.

A baixa adesão no governo FHC e a judicialização na busca por reintegração demonstraram que a experiência anterior não resultou em praticamente nada. Atualmente, tramitam no Congresso Nacional ao menos cinco projetos de lei propondo a reincorporação dos quase 15 mil servidores que deixaram a máquina pública ao longo do governo em que o Programa foi implementado. Ainda assim, o Governo publicou na semana passada a Medida Provisória nº 792/2017, que institui o PDV e dá outras providências.

A partir desta aprovação, a mensagem para a sociedade é de que o serviço público está inchado e os servidores não tem feito falta. Enquanto que o cenário é exatamente o oposto. Há carência de pessoal em todos os âmbitos do funcionalismo, o que reflete na baixa eficácia das políticas públicas, mas principalmente nas áreas de saúde, educação e segurança. O PDV apenas colabora com um desmonte e enfraquecimento do Estado, com o fechamento e a possível privatização de órgãos. A falta de aprendizado com os governos anteriores só aponta um retrato do desespero fiscalista que tomou conta diante da dificuldade de equilibrar as contas públicas, principal bandeira do Governo.

Há uma clara divergência entre equipe econômica e ala política do Governo, perceptível principalmente após o aumento de impostos sobre os combustíveis, também anunciados na última semana. Todas essas medidas apresentadas pretendem contribuir para o cumprimento da meta de R$ 139 bilhões de déficit estabelecida para este ano foi dada como insuficiente. O PDV viria na sequência deste aumento tributário, de modo a complementar a tentativa de manutenção da meta. O que joga contra o cumprimento do valor apresentado pelo próprio Governo é que o Programa considera garantias e recompensas financeiras a quem aderir. Ou seja, é possível perceber que não há ainda planejamento efetivo para que o corte dos gastos seja concreto ou sequer realista.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 116/2017, que estabelece a demissão por insuficiência de desempenho, além da ameaça de postergação dos reajustes salariais dos servidores, são mais algumas das medidas sem propósito apresentadas pelo Governo. De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional, os reajustes previstos para o próximo ano poderiam ser adiados para que o Governo consiga cumprir a meta fiscal de déficit primário.

Dada a situação de ataques ao funcionalismo público, o Fonacate realizou no dia 1º de agosto uma Assembleia em caráter emergencial. O SindPFA em conjunto às Carreiras de Estado representadas pelo Fórum discutiram quais seriam as medidas necessárias para exigir os direitos conquistados e consignados em lei. Já que, para dar uma resposta rápida à sociedade, o Governo tem apresentado o servidor público como culpado pelo caos político-administrativo que se instalou no país quando, na verdade, o fator determinante é a corrupção.

As medidas apontam à retirada de direitos e garantias de diversos setores da sociedade, são contrárias à própria Constituição. As entidades do Fonacate destacaram preocupação com o PLS 116/2017. Durante a reunião, o Diretor-Presidente do SindPFA, apontou que já existem mecanismos nas leis atuais para avaliação de desempenho e até mesmo de demissão dos servidores públicos, mediante processo administrativo disciplinar, e que não haveria necessidade de um novo projeto para tratar disso com critérios tão subjetivos como os que vêm sendo discutidos na Câmara dos Deputados. Para o Fórum, fica evidente que o conjunto da obra demonstra a clara tentativa de desaparelhamento do Estado.

Enquanto o Governo recorre a medidas altamente impopulares para preservar R$ 1 bi dos cofres públicos, como o PDV, vale lembrar a proposta do SindPFA  – nunca levada adiante – de utilizar o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) como instrumento de política agrária.

A assimetria entre dados declarados e reais (grau de utilização – GU e valor da terra nua – VTN) e a reduzida e ineficiente fiscalização são as principais causas da pouca participação do ITR em relação à arrecadação de tributos contabilizados pela Receita Federal. Em 2013, preferiu-se recorrer à municipalização do imposto, o que não resolveu o problema, pois a maioria das prefeituras não têm expertise para fiscalizar o GU e, em muitos casos, baixa por decreto o VTN sem nenhum embasamento técnico.

O potencial de arrecadação é de, no mínimo, 10 vezes maior, segundo estudo realizado por Peritos Federais Agrários. O ITR não chega a representar a 0,1% da arrecadação total no país. Pelos Peritos, em estimativas não tão ambiciosas, a elevação da receita desta modalidade de R$ 800 mi (atualmente) poderia alcançar os R$ 8 bi, e a relação ITR/Arrecadação total poderia ser de 2 a 3%, como em alguns países da América do Sul, por exemplo.

Estudos recentes produzidos por pesquisadores da Unicamp, e que foram apresentados no mês passado no III Seminário Internacional de Governança de Terras e Desenvolvimento Econômico em Campinas (SP), revelam que a arrecadação do ITR poderia ser maior. Esta alternativa seria mais viável e muito mais equitativa em relação às que o governo tem adotado e que atingem, sobretudo, os segmentos mais baixos da sociedade. Aliás, a mesma classe que não quer discutir o ITR é a mesma que apoia as medidas do Governo e cuja representação no parlamento é a maioria.

As Planilhas de Preços Referenciais de Terra (PPRs), elaboradas pelos PFAs do Incra, são instrumentos essenciais para auxiliar na elaboração da pauta de valores dos municípios, o que contribui para a determinação de um imposto mais justo e melhorar sua arrecadação. Essas potencialidades da Carreira nunca foram exploradas pelo Governo, muito menos pelas sucessivas gestões desde que o Incra existe.

O Incra chegou até a editar novo normativo no ano de 2015 estabelecendo o Relatório de Análise dos Mercados de Terra (RAMT), mas, verdadeiramente, os esforços empreendidos nunca foram suficientes para estruturar equipes em todas as Superintendências Regionais, de modo a aprimorar o trabalho e relatórios periódicos pudessem ser produzidos com informações atuais e qualificadas, que são de extrema importância para outros entes do sistema federativo brasileiro.

A quem interessa impedir ou postergar esses avanços? Por que, em tempos de crise tão severa, o Incra não se utiliza disso para fazer suas políticas avançarem e ao mesmo tempo proteger suas carreiras? A resposta é simples: porque o plano de desmonte do serviço público e de estabelecimento de um Estado mínimo é a prioridade de todos os que ocupam as estruturas políticas atualmente.

Enquanto isso, a gestão do Incra, que ainda festeja a sanção da Lei nº 13.465/2017, brinca de “titular terras” e colocar em disputa suas Superintendências Regionais no ranking do “Titulômetro”, o que demonstra o nível crítico de gestão vivido pelo órgão, bem como revela o grau de obediência para com essas agendas do Governo, tão nefastas ao conjunto da sociedade.

Fica evidente o quanto o órgão está cada vez mais distante de cumprir com um papel relevante para o Estado brasileiro, que é o de atuar para promover uma governança responsável das terras do país. Governança não significa apenas titular terras. A intensificação dos conflitos agrários que resultaram em dezenas de mortes somente no último ano e as recentes ocupações de terras pelos movimentos sociais em diversas regiões do país são indicativos fortes de que a condução da política agrária está equivocada.

Até onde irá a sanha dos que operam esses ataques? A conclusão, tão clara como a luz do dia, é que já passou da hora da sociedade tomar os espaços que lhe cabem para cessá-la. Pensando bem, é uma boa hora para aderirem a um PDV.

Por KASSIO ALEXANDRE BORBA

Coordenador Executivo