Por DEODATO DO NASCIMENTO AQUINO
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As projeções mais recentes de crescimento demográfico, segundo prognóstico da Organização das Nações Unidas, apontam que no ano de 2047 a população nacional atingirá o pico de crescimento, aproximadamente 233 milhões de pessoas. Frente a esta realidade, a região semiárida brasileira, atualmente a mais populosa do planeta, já conta com 10% (23,5 milhões) do que o Brasil terá em 2047. Além desta alta densidade demográfica, associada aos menores índices de desenvolvimento humano e déficits educacionais, os principais fatores que tem corroborado historicamente para o avanço da degradação e consequentemente aumento das áreas susceptíveis ao processo de desertificação no bioma caatinga, tem sido: o desmatamento desordenado “a ferro e fogo” para cultivo de sequeiro com culturas agrícolas adaptados a climas úmidos e subúmidos; extrativismo vegetal predatório focado na exploração de lenha e carvão, atualmente a principal fonte de energia primária consumida nos lares nordestinos, pois a biomassa florestal responde por 30% da demanda residencial de energia no Nordeste; possuímos uma estrutura agrária rígida e anti social que fomenta a multiplicação de minifúndios e a conservação de latifúndios improdutivos; nossos assentamentos na sua grande maioria foram concebidos sem considerar a área mínima do módulo fiscal por ocupação familiar; a região, caracteriza-se por adversidades associadas a altas insolação, temperaturas, irregularidades de precipitações no tempo e espaço, solos rasos, pedregosos e balanço hídrico negativo ao longo de 8 a 9 meses no ano. Ademais, os modelos globais de previsões climáticas apontam que a região nordeste será a mais afetada com o aquecimento global.
Frente a toda esta especificidade, torna-se imprescindível compreender e respeitar esta vocação natural, climática, cultural e humana como condicionante a inciativas de fomento e investimentos em políticas públicas de desenvolvimento sócio econômica no bioma Caatinga. Sendo que qualquer intervenção ou atividades deveriam optar por tecnologias adaptadas, não generalistas e que considerem as potencialidades e limitações naturais, diversidades e adversidades da região. Historicamente esta máxima tem sido negligenciada, e as consequências tem sido desastrosas e custado muito caro à sociedade, realidade recorrente desde o Brasil colônia. Aos Governantes intervencionistas e oportunistas, o mais conveniente e prático tem sido se livrarem do problema, tomando o caminho mais fácil: patrocinar fluxos migratórios em massas do povo nordestino para diversas regiões do país. Assim foi na grande seca de 1877, quando milhares de sertanejos foram recrutados para exploração do látex nos seringais do “inferno verde”, nas secas de 1915 e 1932, onde muitos flagelados foram aprisionados em “campos de concentrações” para evitar a migração à capital, assim foi em 1940 quando um exército de retirantes sertanejos foi convocado pelo Estado Brasileiro – os chamados soldados da borracha, estes voltaram a viver em um sistema feudal e escravocrata na selva Amazônica, com o propósito de suprir a demanda da indústria bélica Americana durante a 2ª Guerra Mundial, e assim foi recentemente, quando muitos nordestinos migraram, com velado patrocínio governamental para atender a demanda de mão de obra desqualificada na crescente industrialização e construção civil na região sudeste, além de atenderem a ocupação nas fronteiras agrícolas e construção de Brasília.
A reflexão que devemos fazer atualmente é: para onde migrarão os 23 milhões de viventes nordestinos atingidos pela globalização e avanço dos mega empreendimentos multinacionais? Faço esta provocação pois nós nordestinos, atualmente somos detentores das maiores “jazidas” de energias renováveis do planeta, onde em épocas de baixa recargas hídricas somos agraciados com os maiores aportes de sol nas depressões sertanejas e ventos na costa litorânea.
Alemanha, atualmente na vanguarda e a maior potência em energia solar do Planeta, não detém sequer 50% da energia radiante que chega a nossa superfície nordestina. Porém, os povos germânicos nos ensinam uma importante lição, mais de 65% de toda energia solar que eles produzem advém do mini e pequeno produtor, esta se torna, portanto, diferentemente da energia eólica, a fonte mais democrática, eis a questão! Infelizmente os oportunistas, detentores de tráfico de influências e incumbidos do poder instantâneo, estão seguindo em mão única e na contramão da sustentabilidade e justiça social, estes estão estruturando bases sólidas para a abertura das cancelas às grandes corporações multinacionais. Somente no Ceará serão 14 grandes empreendimentos contratados que entrarão em funcionamento a partir de janeiro de 2022, caminhos semelhantes também percorrem os outros estados nordestinos. Tais empreendimentos demandam vastas extensões territoriais e pouca ocupação de mão de obra; e onde encontrarão tanta terra? Atualmente tem sido priorizado por Brasília, a reformulação do novo marco regulatório do setor energético nacional, e dentre as alterações pautadas e priorizadas sem o devido debate e direito ao contraditório, a real possibilidade de abrir as cancelas à venda de terras ao capital estrangeiro, com o imperativo condicionante: as terras adquiridas devem se destinarem a projetos de produção de energias renováveis. E onde se localizam as potenciais “jazidas” energéticas naturais? Claro, no sertão e na praia.
Portanto, estamos na iminência de mais um período de migração forçada do povo nordestino sabe lá para onde. Só para citar um fato recente. Em 2017 foi promulgada a Lei 13.465, de 11 de julho de 2017, que trata dentre vários assuntos da titulação definitiva das áreas com assentamentos de reforma agrária. A lógica é titular o mais rápido possível, entregando a preço de banana as terras públicas ao patrimônio privado, criando-se um potencial mercado com terras desvalorizadas, cujas famílias na sua grande maioria são carente e ainda não apresentam condições mínimas para a devida emancipação. Ademais, carecem de investimentos e infraestrutura mínimas, condições necessárias ao progresso familiar e emancipação destas famílias. Portanto, tornarão alvos fáceis à tentação do capital especulativo internacional, na qual não terão cerimônia em reconcentrar a propriedade da terra, que anteriormente já foram áreas destinadas a oligarquia algodoeira, atualmente assentamentos e futuramente grandes usinas de produção de energias.
Questiono o porque de nossos governantes não seguirem os povos germânicos no caminho da sustentabilidade, e ao contrário optam por dar-lhes de bandeja a cereja do bolo e persistem em saciar com as migalhas remanescentes. Atualmente há nas áreas sob influencia do bioma caatinga, aproximadamente 2.000 Projetos de Assentamentos oriundos da reforma Agrária, totalizando uma área de 3,7 milhões de ha, atingindo direto ou indiretamente aproximadamente meio milhão de pessoas (120 mil famílias). Por que não há incentivos governamentais no sentido de tornar as famílias assentadas em produtores de energias renováveis emancipadas? Assim como fazem os Alemães! Pelo contrário, mais uma vez os gestores estão desconsiderando as especificidades humanas e naturais, e sem olhar para o retrovisor do tempo cometerão conscientemente mais um grande equívoco histórico, na qual sedimentarão o caminho para a migração de inúmeras famílias de sertanejos aos grandes centros urbanos ou quem sabe vazios demográficos no planeta vermelho, trazendo com isso inúmeros problemas sociais, com o único propósito de atender aos lucros infindáveis do capital especulativo financeiro internacional. Portanto, torna-se imprescindível assegurarmos o cumprimento do princípio constitucional da publicidade, direito ao contraditório e legítima defesa dos povos matutinos, pois além do principio fundamental da dignidade humana, o que está em jogo é a supremacia da soberania nacional.