Os artigos e os comentários não representam necessariamente a opinião do Sindicato; a responsabilidade sobre eles é dos autores.
Veja aqui os Termos de Uso do Site.
A organização geopolítica de uma determinada sociedade está fortemente ligada a Governança Fundiária. A ocupação de seus espaços e a utilização racional de seus recursos fundiários reflete na formatação em diferentes escalas de território. A desgovernança fundiária baliza as desavenças em torno das funções socioeconômicas inerentes ao solo, cuja busca de interesses é focado na diversidade das categorias dos mais diferenciados atores.
A pluralidade social intrínseco as diversas categorias de agricultores familiares complexifica e problematiza a formulação de políticas públicas fundiárias que atenda isonomicamente todos esses segmentos sociais.
No entanto, o problema fundiário remonta das capitanias hereditárias e do sistema de sesmarias, passando pelo período da independência de Portugal, e por volta de 1850 surge à primeira tentativa de ordenamento de terras no Brasil. Contudo, o dispositivo legal, reforçou a hegemonia dos grandes latifúndios, colocando os pequenos produtores no campo da ilegalidade. Com o surgimento da Republica em 1889, a questão Agrária permanece inalterada, ou seja, nada melhorou no perfil dos latifúndios, a concentração era absoluta e irretratável.
Com o surgimento da industrialização no País, nos anos 50 e 60 a questão fundiária assumiu destaque, e passou a ser discutida no âmbito da sociedade organizada, que subitamente se urbanizava. Os movimentos sociais surgiram dentre eles destacam-se no nordeste as Ligas Camponesas, e, logo em seguida o governo cria o primeiro órgão ligado à reforma agrária a Superintendência de Reforma Agrária (Supra). Com advindo do golpe militar em 1964, dar-se-ia a primeira ação efetiva para a realização da reforma agrária no Brasil, em pese o antagonismo. Fruto desta política surge o então Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 1964) e com ele são criados o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda), no lugar da Supra.
Em 1966, surge o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária, por força do Decreto nº 59.456 que foi implementado somente em 1970, ou seja, quatro anos depois. Então se cria Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), conforme Decreto nº 1.110, resultado da junção do Ibra com o Inda.
Nas décadas de 70 e 80 o Incra, órgão do governo responsável pela reforma agrária, fomentou a ocupação da Amazônia, incentivando o processo migratório com polos de desenvolvimento sem o devido planejamento, o que acarretou nos primeiros problemas ambientais significativos. Ademais a baixa fertilidade do solo aliado à ausência de uma infraestrutura socioeconômica planejada, pode ser considerada um dos fatores apontados como a raiz do fracasso desta ocupação.
Com a redemocratização, em 1984, traz-se a baila novamente o tema da reforma agrária. Em 1985, instituiu novo Plano Nacional de Reforma Agrária, por força do Decreto nº 97.766, com a proposta mirabolante de destinar cerca 40 milhões de hectares para o assentamento de 1 milhão de famílias até 1990. Surge então mais um Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento e a Reforma Agrária (Mirad), mas após quatro anos, atinge números medíocres de cerca de 83.000 famílias regularizadas num quantum de menos de 5 milhões de hectares.
Enquanto isso, no campo das ideias se construía intensos debates políticos e ideológicos em torno da reforma agrária na Assembléia Nacional Constituinte, que culminou com a extinção do Incra, em 1987, e a do próprio Mirad, em 1989. Dai, o encargo pela reforma agrária recai sobre o Ministério da Agricultura. Advém que em 1989, o Incra, ressurge das cinzas, pela rejeição do decreto-lei que o extinguira, mas as incertezas políticas e a ausência de dotação orçamentária nutriram uma reforma agrária ineficaz.
Atualmente o Incra está vinculado diretamente à Presidência da República por força do Decreto 8.865 de 2016, passando assim compor as ações da presidência da Republica no âmbito da reforma agrária.
Na contextualização da Governança Fundiária no Brasil, a partir síntese histórica, verifica-se um emaranhado de incongruências normativas que visam apenas o viés arrecadatório fiscal ineficaz, e não o caráter cadastral efetivo, ordenador e regularizador das questões fundiárias do País.
Resta claro a ineficácia das políticas fundiárias no Brasil, o País patina em cima de legislações antagônicas, sistemas burocráticos em demasia, ausência de política seria apartidária, ausência de ferramentas aprimoradas na interface de informações entre os entes ligados a questão fundiária (Receita Federal, Incra, CAR, Prefeituras, Sigef e Cartórios etc.)
Ao Incra, e, consequentemente aos Peritos Federais Agrários cabe um papel principal nas delimitações das temáticas quanto a qualificação da Governança Fundiária, no entanto, o que se vê é um esforço hercúleo na busca de soluções tempestivas mas desconexas com realidade do País. Este se acomoda na retórica de apaziguar conflitos relativos à apropriação, e as formas de ocupação e uso do solo entre diferentes grupos de interesses.
A governança fundiária ostenta importante papel na democracia, pois, compreende perspectivas de acesso à cidadania e de interesse geral da Nação, refletem nas escolhas da sociedade conciliando objetivos econômicos, políticos em sentido muitas vezes contraditório, face aos interesses públicos e privados, quer no meio rural quer no meio urbano.
Assim, a ausência de uma governança eficaz por parte do Incra, é reflexo das políticas publicas mediadistas e oportunistas por parte de alguns políticos e/ou dirigentes, no afã da autopromoção.
Ausência de uma base de dados unificada entre os entes (União, Estado e Município) Oficiais fortalece a morosidade de regulamentação dos imóveis rurais e urbanos, dificultando a regulação fundiária, e por consequência a solução de conflitos. Tais problemas implicam na redução da geração de alimentos, na falta de investimento e distribuição de terras com segurança jurídica.
A temática posta deve ser discutida, mas, holisticamente no âmbito da Carreira de Perito Federal Agrário, pois, são profissionais cuja formação no sentido stricto detém o conhecimento transversal da Governança Fundiária, logo, pode fomentar o debate propondo melhorias nas políticas e programas governamentais de regularização fundiária. Há que salientar, que o apontamento de caminhos para uma boa governança fundiária não é a elaboração de planos homogêneos, haja vista, que nosso território possui inúmeras particularidades que devem ser levadas em consideração, o que torna esta tarefa mais complexa.
Não há o que se discutir quanto à origem do problema, pois a questão agrária afeta de forma contundente toda população brasileira (produção de alimentos, infraestrutura, conflitos no campo, investimento de capital estrangeiro, etc.), mas sim em propor ações efetivas que possibilitem mitigar o máximo possível a desgovernança fundiária.
A Governança Fundiária deve ser tratada com Política de Estado e não de Governo, mas a realidade apresentada desde as sesmarias é outra. Assim, enquanto o Estado Brasileiro não definir as premissas básicas para a implementação de um sistema Nacional que acondicione toda malha fundiária, estaremos mais uma vez debatendo de forma inócua sobre a temática em lide.
A governança Fundiária no Brasil requer mudanças eficazes na diminuição da burocracia, com a formulação de legislações pragmáticas que demandem todas as peculiaridades regionais.
O momento instável politicamente se torna oportuno, face às eleições gerais, no sentido de promover as mudanças ideológicas nas câmaras federais e estaduais, a fim de gerar leis que aperfeiçoem a eficácia da Governança.
Esta resenha tem como objetivo estabelecer uma visão critica da situação caótica que passa nosso País, em face da ineficácia do governo em propor uma governança fundiária consistente, e, que tenha como foco o desenvolvimento social, conduzido na sustentabilidade socioeconômica e ambiental, amparando ainda, aqueles que a possuem o desfrute do uso da terra.
É bom deixar claro que a Governança Fundiária não se restringe a simples divisão de terras, uma vez que existem outras questões importantes envolvidas no processo.
Esta resenha é fruto de uma reflexão sobre a situação de Governança Fundiária a partir da percepção do ultimo IV Seminário Internacional sobre Governança Terras em Campinas-SP, cuja participação do SindPFA foi propositiva, no entanto, ao Incra, quem deveria exercer o papel principal, restou-lhe a indiferença no cerne da importância deste evento.
O paradigma do agronegócio, e a ineficiência das políticas agrárias elaboradas pelo governo brasileiro, não tem surtido efeito na democratização da terra e, por conseguinte dirimir conflitos por terra, ao contrário, a conservação desta política tem mantido a concentração fundiária.
Por fim, resta claro que o Incra, principal órgão gestor da governança Fundiária ainda caminha com dificuldade, no que se refere à Governança, principalmente nos aspectos legais e institucionais, no planejamento do uso de terras rurais, na fomentação de uma política mais rígida quanto à tributação e avaliação de terras, numa melhor gestão de nossas terras públicas com informações cartográficos e literais, numa política efetiva de resolução de conflitos fundiários, na ausência de um cadastro eficaz e compartilhado, e, por fim em programas de regularização fundiária pragmáticos menos burocráticos que facilitem a consolidação jurídica dos imóveis.