A dependência de derivados de petróleo e a possibilidade de um colapso na produção mundial têm fomentado o surgimento de fontes energéticas alternativas. A crise mundial de petróleo na década de 1970 impulsionou as investigações para o uso de biogás, álcool, energia solar e eólica, entre outras. A indústria automobilística teve que ajustar seu modus operandi para a produção de modelos econômicos. Naquela época, a motivação era econômica. Houve redução do consumo per capita, porém, a demanda mundial, aquecida, manteve a hegemonia do petróleo como fonte de energia.
No momento em que o mundo assimila a importância dos impactos ambientais decorrentes da queima de combustíveis fósseis, o Brasil apresenta o biocombustível como alternativa menos poluente. O pré-sal surge na contramão. O interesse na exploração do petróleo da camada pré-sal, da forma em que está sendo veiculada, macula a matriz brasileira de energia renovável, o que pode estar causando embaraço para a abordagem do tema na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Copenhague.
O centro da discussão no país do pré-sal, entretanto, reside na repartição do bônus de exploração da mina, sem aprofundamento quanto ao ônus. Os políticos no Congresso e no Senado engalfinham-se na defesa dos estados quanto à partilha dos lucros. Entendem que as unidades federativas produtoras devem ser as únicas favorecidas, não sendo observada a compensação referente aos danos ambientais que transcendem fronteiras.
Seria temeroso, para o equilíbrio das condições climáticas, se nações céticas, quanto à vulnerabilidade ambiental, descobrissem em seus domínios grandes jazidas de petróleo e gás natural, a exemplo do verificado na camada pré-sal da costa brasileira. Que estratégias deveriam ser adotadas pelos demais países para dissuadir aqueles a não explorar abundante riqueza? Como rebater argumentos sobre o posicionamento dos EUA frente ao Protocolo de Kyoto ou da França e os testes nucleares no Atol do Moruroa? Como explicar o nosso descaso com o bioma cerrado e a dificuldade em conter o desmatamento na Amazônia?. O exemplo ficaria mais complexo se as nações sortudas apresentassem políticas autoritárias, economia subdesenvolvida ou estivessem submetidas a regimes democráticos frágeis.
Abster-se em não explorar a riqueza nas condições do verificado na camada pré-sal só é factível a um país nas condições em que se encontra o Brasil hoje: politicamente estável, um presidente respeitado dentro e fora do país e uma economia pujante até para os menos otimistas. Algumas incoerências internas, entretanto, devem ser reparadas para compensar a recusa do dinheiro fácil: combater a corrupção, promover melhor distribuição de renda, mais atenção à saúde e à educação formal, rapidez e qualidade na política de reforma agrária. Regras a serem perseguidas pelos países emergentes.
Da mesma forma em que há interesse global para a redução do desflorestamento das florestas tropicais e até premiação para conter o desmatamento, seria oportuna a barganha para a não extração do combustível fóssil aprisionado no pré-sal, e o que isso poderia significar em termos de redução das emissões de CO2. Poderia ser sugerido em Copenhague a expressão “recusa de emissão”, exclusividade dos países produtores de combustíveis fósseis, para compor com sequestro de carbono e redução de emissão as ações em defesa do clima. Essa conduta permitiria ao Brasil ratificar a condição de vanguarda entre as nações verdadeiramente preocupadas com a vida no planeta.
Aqui poderia residir o mote das discussões a serem tratadas pelo governo brasileiro em Copenhague. Evitar-se-iam as metas numéricas fáceis de serem propaladas e difíceis de serem alcançadas. Redefinir o posicionamento do governo frente à gigantesca reserva de petróleo do pré-sal daria crédito ao compromisso oficial de redução de dióxido de carbono de 38,9% até 2020. Seria a valorização das ações sobre as intenções. O presidente Obama está sendo criticado por resistir em apresentar em Copenhague uma meta para redução de emissão de CO2. Seria fácil para ele, Obama, sugerir um número qualquer, e assim aplacar os ânimos em torne da reunião de Copenhague.
O compromisso de campanha do atual presidente dos EUA de fechar o presídio de Guantánamo até janeiro de 2010 não será cumprido, mas na ocasião agradou a muitos e pode ter influenciado o resultado das urnas e o inusitado prêmio Nobel da Paz. Relutar em apresentar números em Copenhague pode significar que o exemplo de Guantánamo não contaminou o presidente americano.
Artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, em 12 de dezembro de 2009.