Recentemente, a Amazônia brasileira tornou-se pauta global, por ocasião das queimadas e ameaças de desmatamento na maior floresta tropical do mundo. Independente da habitualidade dessas ocorrências, o mundo colocou em xeque a capacidade do Brasil em cuidar da floresta, a ponto de o Presidente da República ter de reafirmar nossa soberania sobre ela em diversas oportunidades.
Claro que há interesse de outros países na Amazônia, não só pela importância da floresta para o equilíbrio climático do mundo – indiscutível – , mas também porque há ali abundantes reservas de minério, fauna, flora e, principalmente, água potável que, num futuro não muito distante, pode ser um ativo mais valioso que o petróleo, de modo que a omissão brasileira coloca eventuais oportunistas em posição confortável de tecer críticas e ameaças.
Nesse contexto de preocupação com a soberania nacional, é basilar conhecer o território do país, seus ocupantes e seu uso, pois é pressuposto insuperável para a auto afirmação do poder do Estado brasileiro sobre a área e da capacidade de ali se desenvolver de forma sustentável e, com isso, repelir qualquer subordinação ou dependência de potenciais estados interventores.
Ocorre que está aí um ‘calcanhar de Aquiles’ do país: a ausência de conhecimento e gestão de suas terras. O Brasil não dispõe de dados precisos de quem são os ocupantes e detentores dos imóveis rurais, qual o uso das terras, grau de exploração e aspectos socioambientais neles presentes. Isso porque esses dados estão dispersos em vários sistemas – alguns anacrônicos – e órgãos que não conversam entre si e pouco se esforçam para a integração institucional. É um problema fatal ao planejamento estratégico do país.
Reside nisso, inclusive, a preocupação com a estrangeirização do território, especialmente na Amazônia. No Brasil, a aquisição de terras por estrangeiros é possível segundo limites estabelecidos em Lei. Mas, independente de os limites atuais serem restritivos ou liberais, se não há cadastro eficiente, não há como saber efetivamente quantas são as áreas já ocupadas por eles, quem está adquirindo e se realmente obedecem às regras legais.
A questão traz à tona reflexões importantes. Uma delas é que o Brasil precisa, de uma vez por todas, entender a primazia de priorizar a governança do seu território como uma pauta estruturante, de Estado. Para tal, necessita superar entraves ainda residuais do século passado, como a arrecadação de terras devolutas, a regularização fundiária, o monitoramento oficial do mercado de terras e a titulação de assentamentos rurais.
É fundamental, por conseguinte, estabelecer uma estrutura técnica de âmbito nacional que chame para si a responsabilidade de centralizar os cadastros de informações rurais, articular-se com os demais entes relacionados – principalmente estaduais – , reduzir redundâncias, proporcionar segurança jurídica a produtores, posseiros e populações tradicionais e fornecer ao Governo e à sociedade informações precisas para a execução de políticas de desenvolvimento, integração nacional e fiscalização. Se isso existisse, a partir de eventuais focos de queimadas ou desmatamento ilegal, facilmente se identificaria o detentor da área e sua situação jurídica para a necessária responsabilização.
Não há no país outro órgão que melhor possa assumir esse papel do que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que já tem atribuição em Lei, servidores capacitados e a maior base fundiária, que pode vir a ser o alicerce de um necessário cadastro rural multifinalitário geoespacializado no país. Entretanto, é preciso foco nessa atividade e vontade política para executá-la, o que passa por entender o Incra além do que prega o senso comum e reestruturá-lo. Assim como muitos outros órgãos, a autarquia não tem mais recursos para operar e, equivocadamente estigmatizada por limitar-se a uma pauta política – a reforma agrária – , agoniza por inanição.
Contudo, como bem disse o Secretário Especial da Fazenda, Waldery Rodrigues Júnior, ao apresentar o orçamento de 2020 dias atrás, “governar é tomar prioridades”. Se realmente quer consolidar sua soberania na Amazônia Legal brasileira (e também em todo o restante do território nacional), é incontornável ao Governo tomar as medidas para a criação de um ambiente institucional capaz de gerir as terras nacionais, garantir direitos e possibilitar a ação forte e segura do Estado, quando esta for necessária, como é – sem dúvida – o caso de agora.
Djalmary de Souza e Souza é Presidente do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA). Engenheira Agrônoma e Mestre em Fitotecnia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Está no Incra desde 2008.
Por Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários - SindPFA
SindPFA no SindPFA
PFA na Superintendência Regional SEDE / DF
Ingressou no Incra em 05/12/2011