Tem sido frequentes relatos de Peritos Federais Agrários acerca de equívocos ou mesmo descaso na entrega dos equipamentos de proteção individual (EPIs) que, enfim, foram adquiridos pelo Incra. Fazem-se, pois, necessários alguns esclarecimentos.
O primeiro diz respeito à definição de quais equipamentos são necessários. Quando enviado um documento pela Administração do Incra às regionais com uma listagem dos equipamentos, alguns gestores entenderam que tratava-se de uma lista na qual os servidores escolheriam os EPIs que lhes aprouver. Ou ainda, registros de chefes que faziam tal escolha pelo servidor. Ambos os procedimentos incorrem em grave erro.
A definição de quais os Equipamentos de Proteção Individual necessários à realização das atividades, segundo norma do Ministério do Trabalho, é feita por um profissional tecnicamente habilitado para tal (Engenheiro ou Técnico de Segurança do Trabalho), e não ao órgão ou mesmo ao próprio trabalhador que, hipossuficiente na relação de trabalho e incapaz tecnicamente, os definiria equivocadamente ou ficaria suscetível a deixar de solicitar itens importantes por assédio de superiores.
O Incra fez, pois, a contratação de um estudo técnico que analisou os diversos profissionais que atuam em campo e estabeleceu a relação de equipamentos que devem ser adquiridos para cada um. É essa relação que foi utilizada para realizar o pregão eletrônico para a compra. Agora cabe ao servidor apenas informar a numeração dos mesmos para recebê-los.
No que diz respeito aos Peritos Federais Agrários (Engenheiros Agrônomos), o estudo chegou à seguinte listagem.
São equipamentos de uso obrigatório:
- – Mochila de campo e de hidratação (capacidade para 2 litros de água);
- – Chapéu ou Touca árabe com boné;
- – Camisa manga longa;
- – Filtro solar;
- – Óculos de segurança lente cinza com proteção UV;
- – Botas com cano longo ou botina com perneira;
- – Repelente contra insetos.
São equipamentos de porte obrigatório:
- – Capa de chuva impermeável;
- – Luvas para proteção das mãos contra agentes químicos;
- – Vestimenta de corpo inteiro contra agentes químicos;
- – Peça semi facial com filtros químicos para proteção das vias respiratórias contra gases e vapores;
- – Protetor auditivo;
- – Botas de cano longo, impermeáveis e com estrias no solado para trabalhos em terrenos úmidos, lamacentos, encharcados ou com dejetos de animais;
- – Colete refletivo; e
- – Para o bioma Pampa: Japona com proteção térmica 250 g/m2.
Como pode-se ver, todos os equipamentos listados são de uso obrigatório ou de porte obrigatório e, portanto, nenhum deles pode ser dispensado.
Justamente aí reside o segundo problema. Na maioria das SRs, os equipamentos estão chegando incompletos e, no afã de coagir os profissionais a realizarem trabalhos de campo e, talvez, de disfarçar o cumprimento da ordem judicial (que determinou o fornecimento dos EPIs em 60 dias), algumas Superintendências Regionais do Incra tem tentado realizar a entrega os kits ainda incompletos.
Recomenda-se, pois, que o recebimento seja feito somente quando todos os EPIs listados estejam disponíveis ou, se os receber, que o documento explicite a ausência de determinados itens. A retomada das viagens a campo que importem em risco só pode acontecer quando todos os equipamentos forem entregues, haja vista que nenhum dos itens é opcional.
Essa postura está amparada no regramento legal e, agora, por decisão judicial. Assédios morais em virtude disso ou o descumprimento da ordem da Justiça devem ser informados ao SindPFA para que constem nos autos do processo e sejam solicitadas as sanções cabíveis.
O fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual é uma grande conquista da categoria, que por quase 10 anos lutou por isso. Dessa forma, o Incra deve prezar para que a demanda seja cumprida fielmente ao que estabelecem os regulamentos e os servidores devem fiscalizar, de forma a não prejudicar o processo em estágio tão avançado.
Entenda, no texto abaixo, porque você precisa usar EPIs.
Entre os maiores avanços trabalhistas da história recente estão os que buscam assegurar a saúde e segurança laboral do trabalhador, a fim de evitar acidentes e mortes em decorrência das atividades de trabalho.
Noutros tempos, pessoas eram submetidas a jornadas massantes de trabalho para servir a seus senhores na construção de casas, cidades, estradas, etc, donde lembramos dos tempos de escravidão. Os números de acidentes ou mortes sequer constam dos livros de história.
Desde a Revolução Industrial, verificamos um contínuo aprimoramento das relações de trabalho. Ainda na década de 50, porém, relatos de trabalhadores dão conta de centenas de mortos nas obras da construção de Brasília – embora a história não tenha registrado fidedignamente esses dados. Ou, também, na construção da Ponte Rio-Niterói, inaugurada em 1974, tenham morrido cerca de 40 trabalhadores. Tais números seriam inaceitáveis nos dias de hoje, embora a Previdência Social estime que mais de 1 trabalhador morra por dia no país, apenas na construção civil.
Dentre os avanços obtidos nesse sentido, estão os equipamentos de proteção individual – os chamados EPIs – , para uso dos trabalhadores que correm algum risco no exercício laboral. A necessidade dos EPIs é definida em várias recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), desde 1953.
No Brasil, o Ministério do Trabalho e Emprego é quem edita e fiscaliza as Normas Regulamentadoras (NRs) sobre quais EPIs devem ser fornecidos, categorizando-os pelo risco e o tipo de atividade desenvolvida.
O Ministério também aprova e certifica os equipamentos e fiscaliza o cumprimento da legislação nos postos de trabalho. As empresas não só são obrigadas a fornecer os equipamentos, mas também a fiscalizar seu uso pelos empregados, sob risco de ter de arcar com indenizações em caso de acidente. A Justiça do Trabalho também avançou muito na jurisprudência acerca dos EPIs. A propósito, está no ar atualmente uma campanha do Tribunal Superior do Trabalho que conscientiza com relação ao trabalho seguro, que bem se aplica a esse contexto.
Apesar da extensa legislação existente e a estrutura administrativa para fiscalizar o fornecimento e uso dos equipamentos nas empresas privadas, o próprio governo mostra não faz o dever de casa, pois essas regras não são cumpridas dentro nos próprios órgãos públicos, a exemplo do que, até então, ocorre com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra.
O Ministério do Trabalho não tem jurisdição para fiscalizar os órgãos da Administração Pública – ou simplesmente não o faz – , embora o entendimento e a jurisprudência é que as regras valem igualmente para os servidores, que precisam ter sua integridade física protegida por meio dos mesmos equipamentos utilizados pelos demais trabalhadores.
Entre os trabalhos dos servidores do Incra, estão o de vistoriar as áreas dos imóveis rurais, seus limites e confrontações, incluindo locais de difícil ou sem nenhum acesso, utilizando veículos, animais de montaria ou mesmo caminhando.
Existe, portanto, o risco laboral aos servidores, ao transitar por áreas onde habitam animais peçonhentos e várias espécies de outros animais silvestres, ou até mesmo em caminhar em áreas com culturas implantadas, inclusive após aplicação recente de defensivos agrícolas, além de exposição às intempéries climáticas e más condições do solo e vegetação.
Com o advento da preocupação com a segurança no trabalho, os Peritos Federais Agrários solicitam formalmente ao Incra o fornecimento dos EPIs desde 2005. Em 2008 e 2010, novas solicitações foram realizadas e somente nesta última foi aberto um processo administrativo que, no entanto, ficou parado até 2013.
Em resposta a um ofício encaminhado pelo Sindicato, o Diretor de Gestão Administrativa do órgão, Juliano Rezende, admite a existência do pleito e diz que o órgão não o fez por inexistência de dotação orçamentária, motivo que levou o Sindicato a recomendar aos servidores que não se submetessem aos trabalhos de campo até o fornecimento dos equipamentos.
A prática da negligência é antiga. Paulo Cesar Rebello Mendes de Oliveira, PFA e servidor do Incra há mais de 30 anos, conta que não se lembra do fornecimento dos equipamentos de proteção individual. “Havia no Acre o hábito da administração local de fornecimento de botas, mochilas e o empréstimo de um revólver (para auto-defesa nos trabalhos na Floresta Amazônica, por exemplo), no início dos anos 80”, mas ressalta que não era uma prática unificada, nem tampouco o cumprimento de alguma norma regulamentadora.
Ele iniciou seu trabalho no Assentamento Dirigido Boa Esperança, município de Sena Madureira/AC, em plena época da colonização promovida pelo órgão. Ainda na mesma década, Paulo trabalhou também no Mato Grosso, onde relata que o costume de fornecimento daqueles itens não existia.
A ausência dos equipamentos é prejudicial não só ao servidor, mas ao Estado, que precisa arcar com aposentadorias precoces e indenizações em caso de acidentes de trabalho. Diante da situação, foi solicitado ao Incra que faça a aquisição dos EPIs e que suspendesse as ordens de serviço para viagens e vistorias.
O órgão, porém, continuou a pressionar os servidores a realizar as vistorias mesmo sem os equipamentos de proteção, até ameaçando-os com processos disciplinares e outras represálias, especialmente os servidores mais recentes, ainda não estáveis.
A situação levou à abertura de pelo menos cinco inquéritos civis no Ministério Público do Trabalho (MPT) em diferentes estados. Os Procuradores do MPT solicitaram do Incra a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no início de 2014, o qual o Incra recusou-se a assinar.
Não restando outra alternativa, o SindPFA (Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários) ingressou com uma ação na Justiça Federal em agosto de 2014 para fazer com que o Incra resolva definitivamente o imbróglio criado, requerendo liminarmente a suspensão das atividades de campo até que os EPIs sejam fornecidos aos servidores. O pedido foi deferido pela Juíza Federal Cristiane Pederzolli Rentzsch, da 16ª Vara da Justiça Federal, em 28 de agosto de 2014.
A Assessoria Jurídica do SindPFA apresentou, em mais de seiscentas páginas, todo o descaso do Incra no fornecimento dos equipamentos e, na sua decisão, a Juíza reconheceu que a documentação oferece fortes indícios de que a autarquia se omitiu no que concerne ao oferecimento dos EPIs.
Mesmo depois da ordem judicial, foram registradas emissões de ordens de serviço e envio de servidores a campo em algumas SRs, devidamente comunicados à Justiça, que poderá ainda aplicar sanções ao Incra no decorrer do processo, que ainda terá o mérito julgado.
Essa é, portanto, uma vitória emblemática da categoria. Seus resultados refletem o trabalho pela legalidade, pela valorização profissional e pela melhoria das condições de trabalho, não só dos PFAs, mas de todos os servidores da Autarquia. É uma conquista da qual não se pode abrir mão.
Coordenador Executivo