Sábado, 27 de Julho de 2024

Nota da CGU ameaça liberdade de expressão dos servidores em redes sociais; entidades e instituições reagem
Para Diretoria do SindPFA atitude é temerária e deve ser rechaçada sob pena de abertura de precedente para perseguições e punições arbitrárias

Uma nota técnica publicada pela Controladoria-Geral da União (CGU) defende que a divulgação por servidores federais “de opinião acerca de conflitos ou assuntos internos, ou de manifestações críticas ao órgão ao qual pertença” em suas redes sociais são condutas passíveis de apuração disciplinar. O documento foi assinado no dia 3 de junho e é de responsabilidade da Coordenação-Geral de Uniformização de Entendimentos (CGUNE). Após sua divulgação, o Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate), do qual o Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) faz parte, enviou ofícios para o ministro da CGU, Wagner de Campos Rosario, e para o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, demonstrando preocupações com a NT nº 1556/2020/CGUNE/CRG, que pode inibir a produção intelectual, assim como a liberdade de expressão dos servidores públicos federais.

O ofício sugere aos representantes do governo que, “sobre a liberdade de expressão nas redes sociais, solicitamos que seja esclarecido que os servidores públicos podem exercer em plenitude seus direitos políticos e sua cidadania, manifestando-se nas redes sociais e onde mais lhes aprouver, desde que não o façam em desapreço aos órgãos em que exercem suas atribuições, caso destes se identificarem como servidor”.

O SindPFA acompanha com atenção esse assunto e segue em diálogo com entidades parceiras no intuito de unir esforços para fazer frente a essas ameaças. “Estamos atentos aos movimentos do Executivo federal e não podemos aceitar a perda de direitos, perseguições ou cerceamento da liberdade de expressão dos servidores. Nosso papel é justamente o de dar voz aos nossos filiados quando abusos são cometidos, e é o que seguiremos fazendo”, afirma a Diretora Presidente do SindPFA, Djalmary Souza. 

A polêmica nota técnica ganha ainda mais relevância porque surge em um contexto de reiteradas iniciativas nesse sentido. Em fevereiro deste ano, uma servidora do Incra  foi censurada em sua fala em uma audiência pública pelo Secretário Especial de Assuntos Fundiários e teve aberto contra si, a mando deste, processo de apuração de conduta ética. Em março, a Escola Superior de Guerra (ESG) consultou a Conjur do Ministério da Defesa sobre a possibilidade de punição de agentes públicos federais por críticas a autoridades expressas por eles em eventos, mesmo fora do expediente ou em afastamentos, ou em mídias sociais. E, nesse mesmo momento, o Ministério da Justiça é cobrado a dar explicações sobre monitoramento de servidores que seriam considerados perigosos pela pasta (leia mais abaixo), por seus posicionamentos políticos.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal encaminhou recomendação à Comissão de Ética Pública consignando que o exercício do cargo ou função no serviço público não retira o direito de participar dos debates que envolvem a vida coletiva e participação em debates públicos, principalmente naqueles em que seu conhecimento técnico seja relevante para o processo de tomada de decisões, recomendando impedir que procedimentos administrativos sejam instaurados pelo só fato da participação de servidores públicos em debates e reuniões públicas e alertando para condutas abusivas a partir da noção equivocada de hierarquia. A advogada da União que respondeu à consulta, porém, entendeu que não existe competência da autoridade administrativa para vindicar reparação e que não há irregularidade na conduta de servidor civil que, no âmbito de sua vida privada, tece críticas sobre atos de autoridades.

O que diz a CGU

De acordo com a CGU, “o documento é fruto de um trabalho estritamente técnico da Corregedoria-Geral da União” e “ocorreu em razão de mudanças nas condições de trabalho recentes e dos avanços tecnológicos que vinham demandando análise sobre o alcance de alguns dispositivos da Lei nº 8.112/1990, que, se encontram, até certo ponto, superados pela evolução natural da sociedade e dos meios de comunicação” (leia aqui a nota completa). No entanto, a justificativa não foi satisfatória na visão de diversos juristas.

Segundo a Assessoria Jurídica do Fonacate, ainda que a Nota Técnica n. 1556/2020/CGUNE/CRG apenas oriente qual a interpretação a ser dada ao artigo 116, inciso II, e ao artigo 117, inciso V, da Lei nº 8.112/1990 e não tenha caráter impositivo, é possível impugná-la na via judicial. “A NT acaba por sugerir aos servidores a adesão plena e inquestionável às diretrizes políticas e ideológicas traçadas pelo atual governo, o que pode consubstanciar nítida hipótese de abuso de autoridade”, analisam.

Partidos já anunciaram que vão ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionar a nota técnica da CGU. O PSB alegou que o documento busca “alargar desproporcionalmente” o conceito de “recinto da repartição”, previsto no art. 117, V, da lei 8.112/90, atingindo de forma indistinta todos os atos da vida privada do servidor público, sobretudo aqueles praticados em ambiente virtual, para adotar medidas disciplinares contra servidores, mesmo contra aqueles que estão em teletrabalho.

Dossiês contra servidores

A ministra do STF Cármen Lúcia deu 48 horas, na terça-feira (4), para que o Ministério da Justiça e Segurança Pública preste informações sobre um relatório sigiloso com informações de quase 600 servidores públicos, a grande maioria ligada a movimentos antifascistas. A denúncia foi feita pela reportagem do Portal UOL e levou o MPF a pedir esclarecimentos à pasta.

O Ministério da Justiça argumentou em nota que a atividade não configura investigação e se concentra exclusivamente na “prevenção da prática de ilícitos e à preservação da segurança das pessoas e do patrimônio público”. A explicação não convenceu a ministra do Supremo, que cobrou detalhes e afirmou em sua decisão que, se o conteúdo da denúncia for verdadeiro, o quadro “escancara comportamento incompatível com os mais basilares princípios democráticos do Estado de Direito e que põem em risco a rigorosa e intransponível observância dos preceitos fundamentais da Constituição”.

Em resposta ao STF, a pasta afirmou,em documento enviado nesta quinta-feira (6), que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) não produz dossiês “contra nenhum cidadão” e não instaura “procedimentos de cunho inquisitorial”.