Segunda-feira, 23 de Dezembro de 2024

Nota em resposta às afirmações do ministro Pepe Vargas à Folha de S.Paulo
À Folha, Ministro disse que não abriu mão do ECGR e que o estudo não é responsabilidade dos PFAs

Em reportagem na última sexta-feira, 1º de novembro, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que Dilma revê promessa de qualificação na implantação de novos assentamentos para apressar desapropriações (veja aqui), ao abrir mão de instrumentos como o Estudo de Capacidade e Geração de Renda e o anteprojeto de parcelamento, com a edição da Portaria MDA nº 86/2013, publicada em 14/10.

Neste mesmo dia 1º de novembro, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, criticou a reportagem publicada pela Folha (veja aqui), disse que o governo não abriu mão de nenhum parâmetro colocado na Portaria MDA nº 5/2013, de janeiro, e ainda disse que a reportagem foi “informada” pelo sindicato dos peritos, que estão em campanha por reajustes, e que os estudos avançados não são prerrogativas desses profissionais.

Por ocasião dessa fala equivocada e até irresponsável, o SindPFA se vê na obrigação de vir a público e esclarecer algumas questões. O assunto realmente é polêmico e, claro, o ministro não quer ser o pai da “criança feia” que ele acabou tendo que gerar pra fugir da pressão e do risco de “decreto zero” em 2013 e, consequentemente, agradar a presidente Dilma.

Os Peritos Federais Agrários estão sim em campanha salarial, mas isso em nada muda o fato de que o ministro Pepe Vargas mudou as regras para possibilitar a “saída” de decretos. Se não houve mudança alguma, como ele diz, porque seria necessária uma nova portaria, criando exceções à anterior?

É bom lembrar o contexto em que o ministro flexibilizou as regras para obtenção de terras. Depois de dois anos pífios em termos de edição de decretos declarando imóvel rural de interesse social para fins de reforma agrária, caminhávamos para o estabelecimento de um novo recorde em 2013: até o início de outubro, nenhum decreto foi assinado pela presidente da República para esse fim. Se confirmasse este índice, seria o pior de todo o período democrático. O tema ganhou relevância na imprensa nacional e foi objeto da campanha Falecimento da Reforma Agrária do SindPFA (veja aqui), mostrando essa realidade. O risco de não sair nenhum decreto este ano atraiu a atenção da imprensa e de movimentos sociais. Vimos até quem sugerisse que o governo fechasse as portas do Incra, diante da “inoperância” pela paralisação das atividades (veja aqui).

Assim, no afã de se afastar da possível péssima imagem de “decreto zero” em 2013, véspera de ano eleitoral, e pressionado por diversas frentes, o governo abortou a qualificação que ele mesmo havia instituído no início do ano para possibilitar a conclusão de conjuntos-decreto, por meio de um ato administrativo do ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas.

Também é importante esclarecer que o SindPFA não tem capacidade, a intenção, nem o feitio de “pautar” a imprensa com mentiras. A reportagem decorre de um fato: a mudança de regras para flexibilizar os processos de obtenção de terras e facilitar desapropriações, por meio de uma portaria assinada por este ministro. O jornal Folha de S.Paulo publicou com muita responsabilidade a matéria; o jornalista Reynaldo Turollo Júnior ouviu o presidente do Incra e apresentou na matéria seus argumentos, possibilitando ao leitor uma visão equilibrada e conclusões sóbrias.

Para deixar ainda mais claro, vamos à análise da legislação: a Portaria MDA nº 86/2013, publicada pelo ministro Pepe Vargas em 14 de outubro passado, em seu artigo primeiro, é clara em afirmar: “Excluem-se das disposições da Portaria/MDA nº 5, de 31 de janeiro de 2013 os procedimentos de obtenção de imóveis rurais para fins de reforma agrária com Laudo Agronômico de Fiscalização – LAF finalizado até a data de sua publicação”.

O que a Portaria MDA nº 5/2013 estabelece, entre outras exigências, é exatamente a necessidade do Estudo, que a Portaria MDA nº 86/2013 agora torna desnecessário, e que, na contramão dos fatos, o ministro Pepe Vargas e o presidente do Incra, Carlos Guedes, insistem em dizer que não abriram mão. Vide Art. 6º: Efetuadas as notificações previstas no art. 5º, será realizada vistoria no imóvel e produzidas as seguintes peças técnicas: […] III – Estudo acerca da Capacidade de Geração de Renda do Imóvel – ECGR.

Sobre a fala do ministro Pepe Vargas de que o Estudo de Capacidade e Geração de Renda – ECGR não é atribuição dos Peritos Federais Agrários, é uma aberração, digna de repúdio. O ministro mostra desconhecimento da normativa que ele mesmo criou. Senão vejamos: no mesmo Art. 6º da Portaria MDA nº 5/2013, quando fala do ECGR, a portaria detalha da seguinte forma:

  • § 1º O ECGR terá como parâmetro as atividades e rentabilidades tradicionais da agricultura familiar regional e deverá: 
  • I – identificar a vocação agropecuária das terras;
  • II – definir a capacidade de assentamento adequada ao futuro projeto; e
  • III – demonstrar o atendimento dos seguintes critérios de elegibilidade de imóveis para fins de reforma agrária:
  • a) condições edafoclimáticas que permitam a realização do assentamento e indiquem sua viabilidade econômica, considerando a área que será destinada a cada família assentada, com destaque para acesso e disponibilidade de água para consumo e produção e as condições produtivas do solo…

As partes em destaque são prerrogativas de Engenheiros Agrônomos, que são os que compõe a carreira de Perito Federal Agrário no Incra. Portanto, é, indiscutivelmente, prerrogativa desses profissionais.

Na reportagem da Folha, Guedes diz: “nós temos os estudos que apontam quais são os potenciais de geração de renda [para cada um dos oito imóveis desapropriados em outubro], que é esse o sentido do Estudo de Capacidade de Geração de Renda [ECGR]”. Portanto, é nítido que os estudos que Guedes e Pepe afirmam ter saído nos primeiros decretos não são, nem de longe, o ECGR como criado na portaria, pois não houve estudo feito por Engenheiro Agrônomo em Brasília, e isto nem é possível, pois é um estudo complexo que demanda atividades altamente técnicas que não são possíveis de se fazer sem pisar no solo do imóvel rural. Este estudo deve ser feito em campo e não dentro de um escritório em Brasília.

O que se pode inferir, portanto, é que, prevendo críticas, o Incra esteja aplicando algum estudo padrão, que não se assemelha ao ECGR como exigido na portaria, sem nenhuma qualificação técnica e sem nenhuma adequação à realidade de cada processo, simplesmente para poder dizer que “tem estudo”. É bom lembrar que assim que Dilma anunciou os 100 decretos “com estudo”, o SindPFA denunciou o “engano” de Dilma, o que pode ter provocado Guedes e Pepe a se precaverem com um paliativo dessa forma.

O que os fatos demonstram é que o ministro Pepe Vargas e o presidente do Incra estão preocupados agora unicamente com seu compromisso com Dilma e com sua imagem, em soltar decretos, independente de como estejam os processos. Resolvem sua questão no presente e empurram para o futuro o problema de talvez mais 100 “favelas rurais”, quando não estarão mais nestes cargos.

Por KASSIO ALEXANDRE BORBA

Coordenador Executivo