O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ganhou um novo regimento interno. O documento, publicado no Diário Oficial da União de 24 de março, foi aprovado por meio da Portaria nº 531/2020 e traz modificações decorrentes da estrutura regimental e no quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções de confiança aprovados pelo Decreto nº 10.252, de 20 de fevereiro de 2020.
Uma nova estrutura era esperada desde o início de 2019, quando um grupo de trabalho chegou a ser criado para estudá-la. Seus resultados foram apresentados ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a quem coube formatar o decreto presidencial ora publicado. O regimento, por sua vez, foi desenhado na própria autarquia.
Principais mudanças
Entre as principais alterações está a fusão das diretorias de Obtenção de Terras (DT) e de Desenvolvimento de Projetos de Assentamento (DD), resultando na Diretoria de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento (DD). Também foram modificados os nomes das Diretorias de Gestão Administrativa (DA) e de Ordenamento da Estrutura Fundiária (DF), que viraram, respectivamente, Diretorias de Gestão Operacional (DO) e de Governança Fundiária (DF).
Em virtude da redução do número de superintendências, prevista no Decreto n° 10.252/2020, a regional do Médio São Francisco – SR(29)MSF, localizada no município de Petrolina (PE), foi convertida em Unidade Avançada Especial vinculada à regional de Pernambuco – SR(03)PE, com sede em Recife. Com isso, o Incra passa de 30 para 29 superintendências.
A Divisão de Análise e Estudo do Mercado de Terras migrou para a Diretoria de Gestão Estratégica (DE). DD e DF têm a atribuição de apoiá-la na elaboração de estudos. Nas regionais, essa tarefa ficou a cargo das divisões de Desenvolvimento e Consolidação. Educação no campo e meio ambiente, ignorados no Decreto, permaneceram na estrutura, por meio de divisões específicas no contexto do desenvolvimento de assentamentos.
A Coordenação-Geral de Tecnologia e Gestão da Informação está subordinada agora à Diretoria de Gestão Operacional. Já a Corregedoria-Geral (CGE), no âmbito do Incra Sede, tem nova estrutura para as atividades de correição. Nas regionais, foram criadas Seções de Correição, vinculadas ao Gabinete da superintendência.
Com o novo regimento, o Incra passa de cinco para quatro diretorias. Como explicado acima, a nova Diretoria de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento surge da fusão entre Obtenção e Desenvolvimento e será responsável pela aquisição e incorporação de terras ao patrimônio da autarquia, além de promover o desenvolvimento, a regularização e a titulação nos projetos de assentamento, entre outras atribuições.
Não é segredo que a obtenção de terras perdeu força ao longo dos últimos anos, ante a determinação, desde o governo Temer e reforçada por parte do atual governo, de focar na titulação das terras já distribuídas (fala-se em uma meta de 600 mil até 2022)., A obtenção de terras não deixa de existir, haja vista que está prevista na Constituição (função social da terra), mas passa a estar numa estrutura menor, não só voltada a essa atividade, como até então.
A Ouvidoria Agrária Nacional teve sua denominação alterada para Câmara de Conciliação Agrária, mantendo as competências. As superintendências também têm uma unidade estadual de Conciliação Agrária. A nova estrutura regimental oficializou a Ouvidoria, como unidade responsável por receber, analisar e responder as manifestações e os pedidos de acesso à informação dos cidadãos.
A nova estrutura restabeleceu a figura do Diretor de Programa. Um atalho utilizado pelo Incra para criar uma espécie de vice-presidente. O curioso, no entanto, é que ele não recebeu atribuição alguma no novo regimento interno. No regimento de 2009, vigente até 2017, além de citado diversas vezes, havia um artigo específico para ele, que lhe dava atribuições de articulação institucional, o que não existe agora. Aliás, a edição de um documento extenso em um órgão complexo como o Incra dificilmente não deixa erros materiais. O último regimento interno do Incra, aprovado pela Portaria nº 338/2018, logo no preâmbulo, referenciava uma resolução do Conselho Diretor de nº “XX/2018” da qual extrai competência. E assim foi para o DOU e esteve vigente até então. Esse erro foi corrigido.
Confira abaixo uma análise sobre as alterações.
Evolução e futuro
Ao se observar a evolução da estrutura do Incra nestes quase 50 anos de existência, a primeira constatação que se faz é o seu atrofiamento progressivo, ao passo em que o ente ministerial (Ministério da Agricultura) quase dobrou. Observando o quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratificadas, por exemplo, o Incra tem o segundo menor número de cargos desde 1993, com 645, atrás apenas do período de maio de 2003 a março de 2004, quando teve 616. Claro que a quantidade de cargos não mede, por si só, tamanho e capacidade, mas é um indicador relevante, haja vista que, onde há coordenações, divisões e serviços, pressupõe-se haver também servidores para executá-los.
Histórico
Em 1971, o Incra, então recém-criado pela fusão do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra) e do Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário (Inda), tinha secretarias de Administração, Finanças e de Pessoal, departamentos de Cadastro e Tributação, Recursos Fundiários, Projetos e Operações, Desenvolvimento Rural. Haviam coordenadorias regionais e divisões estaduais técnicas. Ele recebeu os cargos dos dois institutos, os quais, por sua vez, os receberam dos extintos Instituto Nacional de Imigração e Colonização (Inic) e Serviço Social Rural (SSR). Os quadros de pessoal eram então geridos pelo Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp).
Em 1985, a estrutura mudou e o Incra passou a ter, como diretorias: Planejamento e Coordenação; Recursos Fundiários; Projetos de Colonização; Integração com os Estados e Territórios; Cadastro e Tributação; Administrativa e Financeira; e Recursos Humanos, com diretorias regionais. Em 1986, as nomenclaturas destas passaram a ser Planejamento Operativo, Cadastro e Informática, Tributação e Arrecadação, Recursos Fundiários, Assentamentos, Administração e Finanças e Recursos Humanos. Em 1987, Cadastro e Tributação foram novamente unificados. Em 1993, com a saída do imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) do Incra, foi a vez de excluir a Tributação da nomenclatura, ficando aquela diretoria como de Cadastro Rural. Sob a égide da Constituição de 1988, o número de cargos já era individualizado por órgão e constava dos decretos de estrutura. Neste ano, o quadro apresentava um total de 1330 cargos. As regionais ganharam o nome de superintendências, à época em número de 26.
Essa estrutura permaneceu quase intacta até 2000. Os cargos foram reduzidos a 1306 em 1997, 1284 em 1998 e chegou ao fim daquela década com 1189 no quadro. Já eram 29 superintendências regionais. Naquele ano, a estrutura foi modificada, deixando de ter diretorias para ter apenas duas superintendências nacionais: de Gestão Administrativa e Gestão Estratégica; e Desenvolvimento Agrário, com 701 cargos ao todo. Em 2003, os cargos caíram para 616 e em 2004, foi a 755 cargos. Essa estrutura de superintendências nacionais foi mantida até 2006, quando a estrutura mudou para as diretorias que conhecíamos até semanas atrás: Gestão Administrativa; Gestão Estratégica; Ordenamento da Estrutura Fundiária; Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento; e Desenvolvimento de Projetos de Assentamento. Naquele ano, o Incra ganhou mais uma superintendência.
O número de cargos permaneceu em 755 até 2009, quando foi reduzido a 749, que se manteve até 2017, incluindo 37 da Superintendência Nacional de Regularização Fundiária na Amazônia Legal. Nas diretorias, eram 25 na DF, 19 na DD, 19 na DT, 17 na DE e 44 na DA. 537 nas superintendências regionais e unidades avançadas. Em 2018 (governo Temer), o Incra perdeu a SNRFAL, passando ao total de 712 cargos. Agora, em 2020, a estrutura foi reduzida a 645 cargos, com uma superintendência e uma diretoria finalística a menos. Uma redução de 14% em relação a 2017. Nas Diretorias, são agora 25 cargos na DF, 25 na DD, 14 na DE e 54 na DO. 467 nas SRs e unidades avançadas.
Vinculação
Até 1996, o Incra estava vinculado ao Ministério da Agricultura, que, à época, tinha o nome de Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária. Naquele ano, o episódio do massacre de Eldorado dos Carajás levou à criação do gabinete do Ministro Extraordinário de Política Fundiária, no âmbito da Casa Civil, a quem o Incra passou a ser vinculado. Este depois foi transformado em Ministério Extraordinário de Política Fundiária em 1999, estrutura que depois veio a ser o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em 2000. A pasta nasceu pequena, com apenas 202 cargos, mas cresceu 71% em 2004, saltando para 346 cargos. Na pasta, existiam, entre as quais se pode considerar áreas finalísticas, as secretarias de Desenvolvimento Territorial (SDT), Reordenamento Agrário (SRA), Agricultura Familiar (SAF) e, a partir de 2010, a extraordinária de Regularização Fundiária na Amazônia Legal (Serfal), quando passou a ter 371 cargos. Destes, 129 nessas áreas finalísticas e na Ouvidoria Agrária Nacional (OAN) e o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (Nead). Haviam ainda as Delegacias Federais de Desenvolvimento Agrário, com 81 cargos. De 2009 a 2016, existiu ainda um Ministério da Pesca e Aquicultura, absorvido pelo Mapa.
Em 2016, o MDA foi extinto, mas foi criada no âmbito da Casa Civil da Presidência da República a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead). A vinculação do Incra nessa conjuntura era daquelas mudanças políticas que não fazem muito sentido: o decreto nº 8955/2017 dizia que a autarquia era “vinculada à Casa Civil da Presidência da República por meio da Sead”. Ainda restou razoável estrutura do extinto ministério na nova Secretaria Especial, com 290 cargos, sendo Reordenamento Agrário, Agricultura Familiar, Desenvolvimento Rural e Regularização Fundiária na Amazônia Legal as suas subsecretarias finalísticas. As delegacias federais de Desenvolvimento Agrário subsistiram. A OAN passou para o Incra. O Nead deixou de existir, algo que faz falta hoje, pois foi ele o responsável por muitas publicações importantes, cessadas desde então. Certamente, seria uma estrutura bem-vinda para a Diretoria Estratégica do órgão, visando ao planejamento.
Em 2019, a Sead foi extinta e o Incra foi novamente vinculado à estrutura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). No Mapa de 2019, foi criada a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (Seaf), agora com 33 cargos, e a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo, com 59. Nesta, há uma Coordenação-Geral de Desenvolvimento de Assentamentos, apontando a tendência de que algumas políticas de fomento deixem o Incra para o Mapa e que assentado e agricultor familiar deixem de representar públicos distintos. Dos 129 cargos antes existentes no MDA em áreas consideradas finalísticas (que hoje estão no âmbito do Mapa), subsistiram apenas 92. Ou seja, cerca de 30% a menos.
Não é possível dizer que todas as atribuições do antigo MDA foram correspondidas nestas duas secretarias no Mapa que se correlacionam com o mesmo público, tampouco que foram destinadas completamente ao Incra.
Avanços x preocupações
Tamanho das áreas finalísticas
DD e DT, que antes tinham somados 38 cargos, agora têm 25 juntas. A DA, agora DO, cresceu 23%. Lembra-se que recebeu a TI da DE. Esta, contudo, perdeu somente três cargos. A área meio (DO e DE) tem agora 68 cargos – antes tinha 61 – e a área finalística (DF e DD) tem agora 50, quando antes tinha 63. A PFE foi de 20 a 22, a Auditoria de três para quatro e a Corregedoria, de três para cinco. A Ouvidoria Agrária perdeu um dos cinco cargos e agora é Câmara de Conciliação Agrária. O Incra ganhou Ouvidoria geral, com dois cargos.
Diante disso, vê-se que estruturas acessórias cresceram, a área meio cresceu, mas a área finalística foi minguada. A atribuição da regularização fundiária na Amazônia Legal, por exemplo, que antes tinha 59 cargos distribuídos na Serfal e na SNRFAL, passou à Diretoria de Governança Fundiária do Incra, mas esta permaneceu com os mesmos 25 cargos antes existentes e, destes, apenas cinco cargos nessa atividade específica.
A preocupação com o combate a malfeitos – coerentemente – se reflete na estrutura, incluindo novos mecanismos de controle e reforço aos existentes. Embora importantes, percebe-se, por outro lado, que não se tratou a fundo o aperfeiçoamento das áreas finalísticas, onde o trabalho que o Incra faz se conecta com a sociedade, de modo que preocupa que o foco seja somente a moralização do órgão (sem dúvida, necessária), sem, no entanto, apontar as diretrizes de ações programáticas, até porque dessa frágil governança é que derivam os erros que a autarquia acumulou.
Não se pode deixar de notar que o Mapa reúne 33 cargos na Seaf, como órgão supervisor, enquanto as duas diretorias finalísticas do órgão executor reúne 50. Ou seja, o órgão supervisor (que dá a diretriz, mas não faz) tem estrutura de tamanho equivalente a dois terços da que executa, o que soa certa desproporcionalidade. Um corpo com a ‘cabeça grande’, mas ‘braços e pernas limitados’. O MDA tinha uma estrutura maior, é claro, mas não era apenas órgão supervisor, sendo também executor de diversas políticas. Todos os cargos na Seaf, dirigida por Nabhan Garcia, são de Direção e Assessoramento Superior (DAS), ou seja, sem reserva para servidores públicos. Na página do Ministério, ao menos sete destes cargos (21%) estavam vagos até o fechamento desta matéria.
Regularização fundiária e cadastro
Diante disso, uma preocupação é que a tarefa colossal da regularização fundiária abafe mais uma vez a área cadastral, a que se entende como o coração de um órgão de gestão territorial. Isso ocorreu nos últimos anos por um sem número de tarefas priorizadas em detrimento dela. Como está, o quadro traz o receio de que o Incra não consiga responder a contento o desafio que essa área exige, especialmente considerando a necessidade de integrar várias bases de dados num país de dimensões continentais. A “promoção de sua integração [Sistema Nacional de Cadastro Rural] com os cadastros nacionais de imóveis rurais” está agora consignada nas atribuições da Diretoria de Governança Fundiária do Incra, o que é bom.
Aliás, a nomenclatura da diretoria é bastante interessante. Tem origem nas Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Terra, dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DGVT) da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e há anos é baliza do SindPFA no seu discurso pelo estabelecimento de um novo modelo de gestão territorial no Brasil. O próprio presidente do Incra admitiu, em reunião realizada em fevereiro de 2020, que foi apresentado ao tema pelo material do Sindicato que recebera da Assessoria Especial da ministra da Agricultura quando convidado ao Incra, algo que nos orgulha. Contudo, o termo pressupõe um conjunto de esforços que parece muito para estar numa só diretoria, o que sugere uma carga excessiva ante sua estrutura limitada. O tamanho do texto do artigo da Diretoria no regimento ilustra isso.
Uma diretoria específica para o cadastro é o mínimo que se vê em instituições que exercem papel semelhante na iberoamérica, sendo que boa parte tem uma instituição apenas para isso. Destaque para as mais proeminentes: a Direção-Geral de Cadastro da Espanha, a Direção-Geral de Território de Portugal e o Instituto Geográfico Augustin Codazzi da Colômbia. Vale lembrar que, como mostrado acima, de 1985 a 2000, o Incra teve diretorias separadas para cadastro e recursos fundiários. Reporta-se dessa época a que o Incra mais era eficiente em fazer o papel cadastral, com tecnologia embutida, que o colocava no mesmo nível de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Diretoria de Serviço Geográfico do Exército. Como sabemos, dos anos 2000 para cá, o Incra ficou atrás em relação a estes.
Tecnologia
Tecnologia é o mantra da atualidade, afinal, não há outro modo para que se emita cerca de 600 mil títulos, como vem sendo aventado. Mas sistemas não nascem de um dia para o outro. Dependem de investimentos e, sim, de servidores, de capacitação etc. Nesse viés, há que se observar o minúsculo orçamento do Incra hoje, reduzido ano após ano. Não se verificou ter vindo para o órgão recursos que iam para o MDA ou para a Serfal, vieram apenas as atribuições. Ressalva seja feita aos esforços da Direção do Incra em buscar recursos, da boa relação construída com o Mapa, que faz partir da ministra o desejo de integrar os cadastros rurais e tornar o Incra o seu gestor. Mas isso precisa, definitivamente, ganhar a atenção do centro de governo como questão estratégica de país.
Orçamento
Segundo o portal da transparência, o programa orçamentário contava com R$ 526 mi em 2016 para reforma agrária e governança fundiária, R$ 147 mi em 2017, R$ 200 mi em 2018, R$ 41 mi em 2019. Fortalecimento da agricultura familiar tinha R$ 92 mi em 2016, R$ 44 em 2017, R$ 24 mi em 2018 e R$ 13 mi em 2019. A execução orçamentária, contudo, foi de R$ 315 mi em 2016, R$ 190 mi em 2017, R$ 250 mi em 2018, e somente R$ 26 mi em 2019. Para 2020, o Incra tem na Lei Orçamentária Anual (LOA) R$ 113 mi para governança fundiária. Desse montante, R$ 10 mi para cadastro rural — praticamente o que se paga ao Serpro pela manutenção do SNCR –, R$ 77 mi para consolidação de assentamentos, R$ 12 mi para aquisição de terras e R$ 6 mi para regularização fundiária, entre outros. Há ainda R$ 7 mi para assistência técnica, além do programa de governança agrária. No Mapa, há outros R$ 6 mi para regularização fundiária e R$ 9 mi para educação no campo.
Servidores e capacitação
O último concurso público para o Incra data de 2010. Segundo o quantitativo de cargos públicos efetivos vagos no Poder Executivo Federal Civil divulgado pelo Ministério da Economia, há 7435 vagas de cargos efetivos aprovados em lei para o Incra, dos quais 3892 estão em aberto. Ou seja, o Incra tem hoje ocupadas somente 48% das vagas previstas em lei, menos da metade. Na Carreira de Perito Federal Agrário, especificamente, temos hoje o menor número da história em atividade. De quase 1000 no início dos anos 2010 para menos de 700 hoje. Mal valorizados, diga-se, amargam salários que não têm correspondência em órgãos de mesma natureza, como Ibama e ICMBio.
Quanto à capacitação, não há um programa estruturado de formação dos servidores, sendo que o Incra inclusive devolveu recursos destinados para essa atividade em 2019. Também por normativo de bloqueio do Ministério da Economia, claro, mas é um quadro que se agrava há anos. O órgão desaprendeu a emitir títulos nos anos 2000 e precisa agora dar ritmo a essa tarefa, e isso exige fluxos claros e formação. Estabelecimento de um processo amplo e sistemático de capacitação de servidores em áreas estratégicas é reivindicação do Sindicato, apresentada em todas as oportunidades que tem.
Fiscalização agrária
Tanto o decreto quanto o regimento trouxeram a figura da fiscalização agrária, a cargo da DD, para além da fiscalização cadastral, a cargo da DF. São políticas importantes para um órgão que quer se alçar a gestor do território e não somente das áreas sob as quais têm domínio. De modo que se espera que hajam programações efetivas e condições de fazê-las, não só com vistas à desapropriação ou até mesmo tributários, mas de incentivo à produção, balizamento de políticas de fomento e planejamento do ordenamento territorial. Nas regionais, a operacionalização da fiscalização agrária se dará pela Divisão de Desenvolvimento e Consolidação, e sua normatização pela Divisão de Terras, na sede.
A função social não deveria ser utilizada apenas como elemento penalizador do Estado para com quem a descumprir, mas também poderia ser fonte de benefícios para que a cumpre. O SindPFA levantou, há tempos, a figura do Selo da Função Social, que poderia ser concedido aos produtores mediante a atualização cadastral, devidamente auditada, ou por meio da fiscalização agrária, para facilitar acesso a créditos e financiamentos e outras políticas públicas. Tal selo pode ainda ser um diferencial para a comercialização de produtos oriundos desses produtores, com repercussão inclusive nas exportações.
Avaliação de imóveis rurais
O Incra tem um quadro qualificado de engenheiros que fazem avaliação de imóveis rurais; o livro ‘Avaliação de imóveis rurais pelos Peritos Federais Agrários’, lançado pelo SindPFA em conjunto com o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) no fim de 2019, mostra isso. Essa atividade, não raro, é uma necessidade de outros órgãos do Estado, a exemplo da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Fundação Nacional do Índio (Funai) e outros.
O regimento avançou nesse entendimento. A antiga Divisão de Obtenção de Terras nas regionais tinha a incumbência de proceder vistoria e avaliação de imóveis rurais apenas para fins de desapropriação, aquisição, arrecadação e outras formas de obtenção de terras, destinadas à implantação de projetos de assentamento de reforma agrária. Agora, poderá proceder a avaliação de imóveis rurais de interesse público, não determinado o fim, o que torna essa atuação e cooperação institucional mais facilitada, contribuindo para dar relevância ao Incra nessa temática.
Mercado de terras
A Divisão de Análise e Estudo do Mercado de Terras ter ido à DE à princípio não parece fazer sentido, por ser área finalística, mas talvez tenha sido o melhor para o momento. É sinal de reconhecimento de sua importância como questão estratégica. Importância esta que foi percebida nas reuniões com o SindPFA com o diretor da área. Também em razão do projeto realizado pelo Sindicato em 2019 sobre a utilização de geotecnologias para o cálculo e arrecadação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), em Goiás, bem como a possibilidade de atuação do Incra nessa pauta, em possíveis convênios com os entes municipais.
Tendo nascido como indicador para a obtenção de imóveis rurais para a reforma agrária, a área extrapolou esse fito inicial, hoje é utilizada para o Balanço Geral da União, com repercussão na prestação de contas da Presidência da República, e mostra-se com potencial de desenvolvimento de vários produtos para diferentes públicos com interface com o rural brasileiro, inclusive para fins econômicos e tributários. Espera-se que esse sinal de mudança corresponda efetivamente a uma valorização e que essa área possa avançar no desenvolvimento desses produtos.
Eficiência da reforma agrária
A Divisão de Terras, na sede, uma das mais técnicas divisões concebidas no regimento interno, tem agora atividades eminentemente agronômicas, mas levando em conta aspectos econômicos, como, por exemplo, propor critérios técnicos para o estabelecimento da capacidade de assentamento, com base na capacidade de uso das terras, com vistas a definir o melhor modelo de exploração econômica na área dos projetos de assentamento. É uma divisão análogo à antiga Divisão de Desapropriação e Aquisição, mas avança em institucionalizar o Estudo de Capacidade de Geração de Renda (ECGR), criado em portaria do extinto MDA em 2013. Tem repercussão ainda na forma de parcelamento dos assentamentos. Sua operacionalização será através da Divisão de Desenvolvimento e Consolidação nas regionais.
Arrimo à atuação técnica
Por ocasião da necessária edição do novo regimento, o SindPFA apresentou sugestões, com minuta de normativo, contendo: a criação de uma Câmara Técnica Nacional, a normatização mínima das câmaras técnicas regionais já existentes e a participação de servidores nas reuniões de colegiados em assuntos que envolvam gestão de pessoas e suas atribuições. Infelizmente, não foram contempladas, porém; espera-se que possam ser objeto de nova portaria.
Entende-se que uma Câmara Técnica Nacional deve dar parecer sobre as propostas de normativos relativos às atividades finalísticas do Incra, com lastro nas melhores práticas de governança, no fito de conferir qualidade técnica aos normativos e segurança aos gestores que os aprovarão. As câmaras técnicas regionais são apenas citadas no regimento. Culturalmente resumidas à área de Obtenção de Terras, tendo em vista os novos rumos que se apontam para a autarquia, vê-se necessário institucionalizá-la minimamente e ampliar seu escopo a toda a área finalística do órgão.
Visão de futuro
Isso posto, considerando que, em cinquenta anos de história, o Incra emitiu cerca de 50 mil títulos; conseguirá em quatro emitir 600 mil, com essa estrutura, quantidade de servidores e orçamento que lhe é destinado? Diante desse quadro, à luz do histórico apresentado, ainda resta certo ceticismo. Talvez seja melhor ao governo revisar tal número, para evitar constrangimentos, que só contribuirão para a falta de prestígio que o Incra acumula, junto ao governo e à sociedade. Ou, então, finalmente, equipá-lo, não só de computadores e sistemas, mas de gente, estabelecer uma política de gestão de pessoas mais efetiva, com valorização e formação do servidor.
Espera-se do Incra, ainda, que não seja nesse período vindouro um órgão de uma nota só, a saber, titulação, afinal a governança fundiária, como dito acima, é um conjunto que passa pelo acesso à terra, reconhecimento de direitos, desenvolvimento rural, proteção do meio ambiente, tributação, desenvolvimento social e econômico sustentável etc. Que a tecnologia, planejamento estratégico e vontade sejam voltados, enfim, a fazer o órgão despontar para tomar o lugar de gestor fundiário que lhe cabe na estrutura governamental.
PNRA
O Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) é um instrumento alicerçado na Constituição Federal, que determina que a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com este plano. Ou seja, apesar do nome, não se restringe a essa atividade stricto sensu, estando cadastro de terras e regularização fundiária, no lastro constitucional, atrelado a ele no lato sensu. O segundo e último PNRA lançado foi em 2003, com vigência pretendida para até 2006. Ou seja, está vencido – senão caduco -, embora, sem substituto, segue convalidado. Ainda assim, metas daquele plano seguem sem o alcance pretendido, tais como 500.000 famílias com posses regularizadas e implementar cadastramento georreferenciado do território nacional e regularização de 2,2 milhões de imóveis rurais. Estando mais claros os novos rumos que o Incra pretende tomar nos próximos anos, talvez seja a hora de provocar um novo PNRA, como efetivamente um plano nacional de governança agrária.
Indispensável, porém, a participação da sociedade nesse processo. Em abril de 2019, um decreto presidencial extinguiu conselhos de participação social no âmbito federal, entre os quais o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), instituído em 2003, com o objetivo de propor diretrizes para a implementação e formulação de políticas públicas em desenvolvimento rural sustentável, reforma agrária e agricultura familiar. Entre as que passavam por ele, estava o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado em 1995. Talvez fosse algo semelhante o ambiente ideal para a elaboração de um novo PNRA, que caminhe para um novo modelo de política agrária de gestão territorial visando ao desenvolvimento territorial, mais abrangente nas possibilidades de atuação estatal na governança dos recursos fundiários.