Sexta-feira, 26 de Julho de 2024

Em busca do tempo perdido
Uso de Vants e IncraSAT na gestão da terra: fatores importantes para questionar sua necessidade e viabilidade

Por RAIMUNDO DARCIO LISBOA FERNANDES

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Tecnologias, via de regra, são todas as invenções feitas pelo homem para simplificar seu modo de viver. O grande salto deu-se em 1948, com a invenção do transistor, semicondutor que substituiu as válvulas e revolucionou a sociedade moderna ao possibilitar a construção de dispositivos e máquinas cada vez menores e mais potentes, chegando a complexos aparelhos para explorar o universo.

Na cartografia, presenciei esse avanço nos anos 90, exercendo a função de chefe da Divisão de Cartografia e Recursos Naturais SR(01)T. Lembro-me dos progressos que tivemos: fomos um dos órgãos que mais investiam recursos financeiros nessa área, bancamos não só a automação da nossa cartografia, mas subsidiamos outras instituições do governo como a CCAuExe – Centro de Cartografia Automatizado do Exército, repassando recursos para execução de demarcação topográfica em Projetos de Assentamento de Trabalhadores Rurais na região do Sul do Pará. 

Usamos tecnologia de ultima geração na época, como GPS – Global Positioning System, CAD – Desenho Assistido por Computador, com as Mesas Digitalizadoras, Plotter tamanho A-0 e Trassador Gráfico, que substituiriam a tradicional prancheta de desenho a Nanquim, máquinas copiadoras de mapas no lugar das copiadoras heliográficas, que usavam como revelador amoníaco (NH3), Estação Total Station, revolucionário equipamento de cartão de memória de 256 MB que substituiu os velhos teodolitos ópticos, Vasconcellos, T1 e T2 da Wild, dando fim à velha e suja caderneta de campo.

O Uso do GPS pelo INCRA foi determinante para que aparecessem outros parceiros do governo para abocanhar da instituição recursos financeiros e humanos, tais como o IBGE, na implantação de pontos geodésicos de alta precisão e redes de rastreamento continuo, principalmente na região norte do país, onde a base cartográfica era inexistente ou de baixa precisão, feita na década de 70 pelo Projeto Radam-Brasil. 

O INCRA investiu pesado na implantação da Ribac – Rede Incra de Base Comunitária nas Superintendências e em algumas Unidades Avançadas ou até mesmo em locais estratégicos pelo Brasil, hoje desativada e abandonada. Outra instituição foi o INPE, instituto dedicado ao estudo, pesquisa e exploração espacial, INPE/DGI – Divisão de Geração de Imagem; seu laboratório foi parcialmente custeado com os recursos do INCRA, tendo como contrapartida a prioridade na compra de imagens de satélites da geração LandSat /TM 5 e 7, produtos de elevados custos, quase não acessível à sociedade, por motivos se segurança nacional.

Contudo, mais de 25 anos se passaram e pouco ou nada se fez no órgão. Assistimos uma grande evolução tecnológica na área de Cartografia/Geodésia e Sensoriamento Remoto: o mercado de hardware, software e serviços, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES), cresceu 9,2% no ano de 2014, quando a média global foi de 5,6%, colocando o Brasil no quinto lugar, em destaque no mercado mundial.

Agora o INCRA supostamente tenta retomar a vanguarda. Matérias sobre a modernização na “Gestão Territorial”, publicadas website da instituição demonstram uma corrida em buscar do tempo perdido. Tentando alcançar o topo da tecnologia, firmando parcerias fora de uma realidade, contrata a empresa Visiona para desenvolver um satélite de geoprocessamento, o IncraSAT. Ideia da ex-presidente Lúcia Falcón endossada pela atual gestão, em nome da “Nova Governança Agrária”. A Visiona, empresa de tecnologia espacial, é uma “joint venture” entre a Telebras e a Embraer, constituída com profissionais seniores egressos da Embraer e Inpe.

Diante disso, vamos enumerar três fatores importantes para questionarmos a necessidade e viabilidade na aquisição do satélite e da compra de Vants.

1. Técnico

Imagens de satélite e aerofotografia são ferramentas que podem ser usadas em cartografia, especialmente em estudos fotogramétricos que são muitas vezes a base de mapas topográficos, planejamento do uso da terra, estudos, projetos, monitoramento ambientais e avaliações de imóveis rurais.

Imagens orbitais em alta resolução da terra produzidas por satélites como Eros B, GEOEYE, IKONOS, KAZEOSAT-1, KOMPSAT- 2,KOMPSAT-3, SPOT 6 e 7, apresentam características diversas, principalmente da resolução espacial, variando de 0,5 metro as pancromática P&B e a multiespectral de 4,0 metros, alguns destes com a possibilidade de deslocamento para um determinado alvo especifico como um imóvel rural.

Por outro lado, aerofotografia ou fotografia aérea é o registo de imagens do solo de uma posição elevada ou diretamente acima do objeto por meio de uma câmara fotográfica levada ou instalada no bordo de aeronave ou VANTs.

Existem questões técnicas a serem consideradas quando comparamos uma imagem de satélite com uma fotografia aérea, entre outras, a questão da resolução dos sensores que possui grande importância nesta ciência, que está dividido em 4 classes: espacial, espectral, radiométrica e temporal.

A aerofotografia produzida por Vants ou Drones, apresenta apenas a resolução temporal e uma variação do tamanho do pixel, sem o conteúdos de informações espectrais, mas com a vantagem da rapidez de ser obter o produto (foto), a escolha da melhor condições atmosféricas, mas que necessita de tratamento no escritório (orto-mosaico georreferenciado), enquanto as imagens (combinações de bandas espectrais) produzidas por satélites orbitais possuem todas as resoluções acima citadas, embora seu produto (bandas espectrais) tenha diversas finalidades que podem serem utilizadas em Sensoriamento Remoto na análise espectrais dos alvos, tipo vegetação, solo, declividade do terreno e identificação de cursos d”águas, várzea ou água no subsolo, etc., informações estas que não são extraídas da aerofotografia.

2. Demanda

O Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários – SindPFA publicou no inicio de 2016 uma campanha intitulada “2015: Decreto Zero”, demonstrando o declínio na obtenção de terras por meio de decretos presidenciais declarando imóveis rurais de interesse social para fins de reforma agrária na ultima década, quando atingiram 1.206 imóveis, abrangendo uma área de 4.684.470 ha. Em 2015, porém, o número foi zerado.

Aliado às crises do país, cuja projeções mais otimistas prevêem a estabilidade política, econômica e moral para o ano de 2020, mas não para a crise institucional. Essa, sem previsões, refletese na própria instituição INCRA.

3. Econômico

É preciso saber que todos os sistemas de satélites comerciais são subsidiados por governos. Pode ser de forma direta, como no caso do Brasil, China e Índia, ou de forma indireta, com empresas privadas investindo no desenvolvimento de novas tecnologias, mas com os governos garantindo a saúde financeira dessas empresas com compras multi milionárias. Esse é o caso dos satélites da GeoEye e da DigitalGlobe, suas imagens estão disponíveis no Google Earth.

O preço final das imagens poderia ser menor. Independente da análise que for feita, qualquer que seja o tipo de imagem, o usuário deve ter sempre em mente a relação entre custo e benefício. Quanto mais valor de “informação” ele extrai da imagem, mais vantagem ele terá e mais barata ela será.

O km² de imagem parte do patamar em USD (Dólar dos Estados Unidos) 14,29. Considerando os custos, impostos e lucro da operadora internacional, verifica-se que os preços praticados nesse mercado são bem racionais. Também estão disponíveis a custo zero, mediante um registo simplificado na Internet, baixar qualquer imagem do planeta, como novo satélite de observação da União Europeia o Sentinel-2 A.

No serviço de aerofotografia feito por Drone, hoje se praticam preços mais homogêneos. Diferente de quando chegaram ao Brasil, em 2012, os Drones estão mais que estabelecidos em sua utilização para tomadas aéreas. Dessa maneira, para esses fins, pode-se alugar um Drone com operador por R$ 500,00/hora, valor pode variar de região para região e também muda de acordo com o modelo de Drone e câmera utilizada no serviço. 

Um curso de 88 horas para piloto profissional em VANTs ou Drones sai a R$ 1.794,00 em média. Há ainda cusros gratuitos encontramos na Internet, como o oferecido pelo INPE/Centro Regional da Amazônia.

Para melhor compreensão, façamos uma simples reflexão, usando as seguintes premissas: a vida útil de um satélite de alta resolução espacial é de 7 anos; a área anual que demanda imagens de resolução submétrica é de 20 milhões de km² (1/6 da área continental do planeta); comparando com a minúscula demanda do INCRA de 46.844,7 km², área decretada em 10 anos. 

O custo de desenvolvimento e lançamento de um satélite sub métrico é de 500 milhões de dólares. Para a compra de três Vants “Drones”, o INCRA, gastou R$ 1,2 milhão. No mercado, encontramos Drones modernos variando de R$ 10.877,00 (modelo Quadricóptero DJI Phantom 3 Profissional) a R$ 18.000,00 (modelo DJI Inspire 1).

Conclusão

Dando tiros para todos os lados, na tentativa de acertos, o INCRA insiste buscar parceria com empresas de sociedade/economia mistas, como a Embrapa, INPE e as Universidades. Como no passado, estes buscam recursos financeiros para seus megaprojetos.

Na tentativa de distribuir responsabilidade ou referendar estes atos, a autarquia criou um Grupo de Trabalho, para elaborar o manual de operação de veículo aéreo não tripulado-VANTs, visando padronizar o uso deste equipamento no INCRA, mas não a sua viabilidade técnica e econômica ou seu custo e beneficio para a instituição e a sociedade.

 A construção de um satélite exclusivo “IncraSAT” ou mesmo compartilhados com outros órgãos governamentais “Programa TERRASat”, assim como a compra das VANTs, na minha visão, como servidor do INCRA e especialista na área Sensoriamento Remoto pela UFPa., é mais um desperdiço do erário publico, se comparando custo e beneficio.


Raimundo Dárcio Lisboa Fernandes é Perito Federal Agrário na SR(01)PA, Engº Agrônomo com Especialização em Sensoriamento Remoto. 
darcio.fernandes@blm.incra.gov.br / rdarcio@uol.com.br

Colaboradores:
Eduardo Sérgio Campos – PFA, Engº Agrônomo/Especialização em Sensoriamento Remoto;
Avelino Sizo – Engº Florestal/Especialização em Sensoriamento Remoto;
Antonio Quemel – PFA, Engº Agrônomo;
Joseane Almeida Lima – PFA, Engª Agrônoma.


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