Terça-feira, 10 de Dezembro de 2024

Relato de participação no Seminário sobre a realidade agrária nacional
Um relato e análise pessoal

Por JORGE ALVES DE OLIVEIRA JUNIOR

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Estive presente nos dias 12 e 13 de março no “Seminário sobre a realidade agrária nacional”. Trago agora um relato do que foi e, principalmente, minhas impressões sobre o evento. 

O Seminário começou com a apresentação de uma “Pesquisa nacional de informações sobre a luta pela terra e a reforma agrária no Brasil”. Trata-se de uma ferramenta web que está sendo criada para fornecer as mais diversas informações acerca da luta pela terra. O site (em fase beta) ainda não está disponível, mas conta com vários “botões” que mostram – segundo os desenvolvedores -, de maneira mais fácil do que o INCRA disponibiliza, dados sobre os assentamentos (inclusive com as imagens de satélite dos PAs), infraestrutura, produção, assassinatos, entre outras coisas. Tal banco de dados foi construído basicamente com as informações do INCRA repassadas pelo NEAD(MDA) ao Núcleo de Estudos Agrários da UnB (NEAGRI). 

Logo após a apresentação da pesquisa, o INCRA – representado pelo Diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária, Richard Torsiano – foi convidado a falar. Fez uma apresentação bem genérica, sintética mesmo, a respeito das ações que o INCRA está desenvolvendo e sobre as novas diretrizes traçadas. Comentou sobre os eixos de atuação do INCRA (cadastro e certificação de imóveis rurais, regularização fundiária e acesso à terra); trasparência e qualificação de informações; contribuição com a superação da pobreza extrema no campo; integração com ações de outros órgãos federais, estaduais e municipais; e enfatizou sobre… Governança fundiária. Dentro deste último tema mencionou que o INCRA quer avançar na “qualificação da terra”; “conhecer” os imóveis públicos e as terras públicas da União, bem como dos particulares. Disse que o Cadastro do Incra conta com mais de 5 milhões de imóveis; que a base de dados foi sendo “transformada” ao longo do tempo, mas que ainda contém precariedades. Mencionou sobre os 110 municípios com sobrecadastro e contemporizou que isso se deve, dentre outras coisas, a fraudes articuladas com cartórios. Relatou ainda que a Diretoria está fazendo um filtro da concentração fundiária nacional (200 municípios – maioria no Centro-Oeste – em que grande parte dos imóveis estão acima de 15MFs). Depois tratou das ações de regularização fundiária (Terra Legal, Nordeste – e suas terras devolutas – e comunidades quilombolas). Falou sobre o CNIR e das “discussões avançadas” com a Receita Federal e que isso está nas metas -do Governo, RF e Incra-… apontar a afetação de cada imóvel. 

Bem… depois da fala do INCRA, a plenária ficou aberta para pequenas intervenções, a qual destaco uma: Um extensionista da EMATER-GO (Agencia Rural) pediu a palavra para “desabafar”. Disse que trabalha há 28 anos com Extensão Rural (ER) junto aos mais diversos assentamentos e que “A REFORMA AGRÁRIA AINDA NÃO COMEÇOU”. Foi realmente em tom de desabafo que ele falou e estava se dirigindo ao representante do INCRA (óbvio). 

Já na parte da tarde, houve uma composição de mesa, em que estavam presentes o Professor Osvaldo Lara (salvo engano era este o sobrenome) representando o NEAGRI, o Parente representando a Associação Brasileira de Reforma Agrária e um Líder do MST (que não me recordo o nome). Tenho o áudio desta seção, mas vou colocar sinteticamente as falas. O professor fez apenas uma estruturação da conjuntura da político-econômica desde Delfim Neto ao Neoliberalismo atual (Eu senti um ar de resignação e ideologia socialista no discurso). Já o Parente, com toda demagogia que o convém, jogou para a plateia que o Governo não fez as “reformas estruturantes”, dentre elas a reforma agrária. E que vai continuar assim. Já o Líder do movimento falou do descaso com as políticas públicas voltadas para agricultura familiar, dos conflitos, da proteção judiciária ao latifúndio e sobre as lutas… os enfrentamentos mesmo. Ressaltou que mal o movimento se articulava com as foices para invadir uma fazenda, os proprietários já estavam com os documentos que os impediam de avançar. 

Em seguida, a plenária foi aberta novamente para as falas dos participantes. E aí o “movimento” começou a malhar o Judas. Falou da ausência do INCRA, da falta de políticas públicas e que somos o “câncer” da Reforma agrária, mas que “chutar o Incra é chutar cachorro morto”. Eu tentei fazer uma intervenção no sentido de fazer uma ligação entre a pesquisa que mostraram sobre as lutas e quais eram as perspectivas para o futuro. Reportei-os acerca das novas Portarias do MDA e disse que precisamos bastante da Academia (universidade) para nos auxiliar a provar por meio de estudos a capacidade de geração de renda dos imóveis de interesse social. Disse também, que as lutas deveriam servir mais para refletir e mudar o pensamento sobre o futuro. Não entenderam o meu recado e começaram a me criticar e questionar a respeito das lutas. Isso é claro que gerou um descontentamento e deram indícios de que iriam entender que se a situação está ruim, vai piorar. 

Já no dia de ontem, o Seminário foi basicamente sobre uma abertura de espaço para quem quisesse falar, expor o pensamento. Para isso, foi delimitado o tempo de 5min para cada fala, e se alguém quisesse retornar para continuar, estava livre. Foi uma ótima experiência para mim, sinceramente. Eu pude expor o que penso e fui duramente criticado pelos integrantes do movimento. Tentei alertá-los a respeito das novas diretrizes que estão postas para determinar a viabilidade dos imóveis com vistas à desapropriação, inclusive sobre o Estudo de Capacidade de Geração de Renda do imóvel. Enfatizei que não basta o assentamento “dar certo”, ele deve gerar renda. Mas o viés ideológico de lutas não os permitiu ver o que vem por aí. Daí disseram que vão lutar ainda mais. Em outra intervenção provoquei: Se for falar em luta, me digam qual foi o governo quem mais “lutou” por RA. Ninguém respondeu… engoliram seco. Daí falei: Foi o partido que hoje demonstra um dos menores índices de desapropriação da história recente. 

Em seguida um rapaz (Márcio de SP) muito bem esclarecido veio extratificar os tipos de entendimento sobre Reforma Agrária e os tipos de burguesia e campesinato. Sua fala ficou bastante pautada no discurso de que não basta o acesso à terra, pois um imóvel desapropriado em uma região, gera indenização capaz de comprar terras ainda maiores em outro lugar, o que não corrige o problema. Eu o achei bastante sensato, mas ele ainda (no meu ponto de vista) peca ao jogar a culpa da desiguldade sobre o poder do Capital. Tentei mostrar (mais uma vez no meu ponto de vista) que a briga deles se dá contra “inimigos” errados. Mencionei o fato de a Constituição gerar indenizações a preço justo de mercado com títulos que hoje valem mais do que dinheiro e, além disso, a prerrogativa do proprietário muitas vezes judicializar a questão e receber 12% a.a a título de juros compensatórios. 

Disse ainda que o problema não é gerar divisas por meio da base primário exportadora, mas sim que metade do PIB só pode ser utilizado para pagar juros da dívida pública (que nem sabemos se realmente temos). Para mim, é daí que vem a desigualdade social e de renda . Não tive oportunidade de dizer, mas é claro que penso que seria melhor mudar a matriz exportadora para produtos industrializados ao invés da produção de commodities, mas na minha opinião, não se trata de uma luta entre dois fatores de produção – Capital versus Terra. No meu entender, os fatores de produção (Terra, Capital, Trabalho, Tecnologia, etc) devem andar juntos, já que estamos num país capitalista. Ouvir o Parente falar que o assentamento não deve estar calcado no econômico, para mim é só discurso ideológico gasto. Enfim, continuando… disse ao rapaz que havia falado no dia anterior sobre “chutar o Incra”, que o Incra já foi um “cachorro valente e forte” que dava guarida para 139mil famílias,e que hoje são 1 milhão de famílias aportadas por um cachorro fraco e desmotivado. Daí rebateram que os técnicos do INCRA são industrializados e só estão do lado do latifundiário. Por fim, reiterei sobre a mudança de postura do movimento e que as coisas podem piorar. Os gritos de ordem pela Reforma Agrária ecoaram… 

Sem dúvida foi uma das maiores experiências que tive em termos de RA. Sigo cada vez mais resignado e certo de que o foco nos leva para outros caminhos… e se assim o for… muitos sentirão falta do Incra… ou não!