Sábado, 14 de Dezembro de 2024

Carta do III Congresso Nacional dos Peritos Federais Agrários
O SindPFA, por ocasião do III Congresso Nacional da categoria, vem a público lançar esta Carta, que expressa as convicções desta representação diante das discussões ocorridas durante o evento.

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O Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários – SindPFA, por ocasião do III Congresso Nacional da categoria, realizado em Brasília de 28 de novembro a 2 de dezembro de 2022 e que se dedicou a discutir o tema “Terra, mudanças climáticas e fome: o Brasil num mundo em transformação”, vem a público lançar esta Carta, que expressa as convicções desta representação diante das discussões ocorridas durante o evento – não só entre a categoria, mas também com acadêmicos, autoridades, profissionais e representantes da sociedade civil –, e das deliberações dos delegados nele presentes.

Ao completar onze anos de fundação, mas sob o lastro de mais de vinte anos de organização profissional, o SindPFA se reafirma como uma entidade plural, democrática e independente, profissionalizada e comprometida não só com a categoria que representa, atualmente constituída pelos engenheiros agrônomos do Incra, mas também com as causas pelas quais ela existe e trabalha, atuante por um serviço público de qualidade, pelo fortalecimento do Estado e de suas instituições.

Assistimos com muita apreensão os alertas climáticos e as consequências das mudanças em curso sobre a vida na Terra e a existência desta e das nossas futuras gerações. As implicações são diversas e graves e impactam inclusive na disponibilidade de terras agricultáveis e na produção de alimentos para a nossa subsistência, o que deve ser motivo de preocupação para o nosso país, detentor de enorme sociobiodiversidade e dependente de uma agropecuária de exportação.

Também vimos irresignados o ressurgimento da fome no Brasil e as cenas lamentáveis de famílias buscando alimentos em caminhões de lixo e em filas por ossos; o que é uma grande contradição para um país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Não podemos conviver com isso como se fosse algo normal ou acreditar que seja este o nosso destino. Não é.

Além disso, e como elemento causador dessa realidade, a configuração fundiária brasileira perpetua problemas que o país ainda não foi capaz de resolver: a desigualdade social subsiste e revela sua face no campo com a concentração da terra,e os subsídios estatais concentrados na agricultura de commodities. Os esforços pela reforma agrária foram importantes até aqui, mas ainda insuficientes.

Inobstante, acreditamos que o Brasil será capaz de retomar seu protagonismo e sua liderança no tema das mudanças climáticas e buscará enfrentar esses seus problemas domésticos, especialmente diante do projeto de país que saiu vencedor nas eleições gerais deste ano e dos compromissos assumidos na última Conferência do Clima das Nações Unidas realizada há poucos dias no Egito.

Para isso, o Estado brasileiro não pode condescender com ilícitos como o desmatamento ilegal, a grilagem de terras, o uso inadequado do solo e a destruição dos nossos biomas. O uso racional da terra, a preservação do Meio Ambiente e a dignidade do trabalho são elementos que formam o princípio da função social da propriedade rural, presente na Constituição Federal e que, a nosso ver, é o principal fio condutor que percorre a discussão acerca da correta ocupação territorial, do enfrentamento às mudanças climáticas e à fome, do estabelecimento de um relacionamento mais harmonioso no uso dos recursos naturais e de promoção do desenvolvimento sustentável.

Diante disso, acreditamos em uma política agrária moderna, em função de uma governança macro, contínua e atenta do território, que concilie os elementos da observação técnica e científica às demandas sociais para garantir assertividade na intervenção estatal, visando não só a reconfiguração da malha fundiária e da posse da terra, mas principalmente a efetividade na produção de alimentos, na redistribuição de renda, na administração do mercado de terras e na preservação ambiental.

Defendemos a retomada das ações de obtenção de terras para a reforma agrária e das ações e políticas de desenvolvimento de assentamentos que foram paralisadas ou enfraquecidas no Incra, como a assistência técnica, infraestrutura, programas de fomento e programa de educação na reforma agrária, estimulando a produção agroecológica e a transição para este modelo.

Mais que isso, pugnamos pela elaboração de um terceiro Plano Nacional de Reforma Agrária, adequado à realidade do Século XXI, que se traduza em um novo modelo de reforma agrária, sustentável e agroecológica, integrando campo e cidade, visando a um abastecimento dos produtos agrícolas com o mínimo de deslocamento. Também, pela atualização dos índices de produtividade agrícola utilizados como base para a aferição do cumprimento da função social da propriedade rural.

Reconhecemos que a titulação de assentamentos é parte importante do processo, mas não tem fim em si mesma. Ela deve ser repensada de modo a consolidar as transformações espaciais realizadas, por meio de gestão sobre as áreas reformadas e do cumprimento efetivo do dispositivo legal que impede a reconcentração fundiária, com o acompanhamento e controle das transações em áreas derivadas da reforma agrária, de modo a se estabelecer zonas exclusivas de agricultura familiar.

Defendemos a reestruturação da política de regularização fundiária em terras públicas, que garanta o reconhecimento de direitos territoriais legítimos a posseiros e, especialmente, a populações originárias e tradicionais, com estrutura à altura do desafio e sem a terceirização de atividades sensíveis, sob pena de comprometer nossa soberania e ratificar ilícitos. De igual forma, defendemos o aperfeiçoamento do combate à grilagem de terras, tornando-a, além de crime, também infração administrativa, com a atuação do Incra na fiscalização e na aplicação de sanções a essa prática.

Consideramos importante intensificar a identificação de terras devolutas e a destinação de terras públicas, seja para unidades de conservação, regularização de situações consolidadas, para projetos de reforma agrária ou para os estados da Federação, visando a combater a grilagem e a especulação. Defendemos a criação de um sistema federativo de governança fundiária, com a coordenação do órgão de terras da União – o Incra –, com a participação dos demais órgãos federais afetos (ex.: ICMBio, Funai, SPU) e incluindo os órgãos estaduais de terras, para os quais o ente federal precisa apoiar com conhecimento e tecnologia, com a nossa participação como Carreira em sua integração.

Acreditamos que é preciso enfrentar esse tema com maior seriedade, a fim de se evitar novos e infindáveis “marcos temporais”. Para tal, é intransponível a necessidade de estruturar um cadastro rural robusto, com uma matriz fundiária geoespacializada capaz de integrar os diversos cadastros e sistemas pulverizados nos órgãos (cadastro multifinalitário), com interface com o registro de imóveis e com a área ambiental. Fundiário, agrário e ambiental precisam trabalhar juntos para o sucesso um do outro, com  recursos e estrutura apropriada e integrada, ou então o governo andará em círculos.

Temos convicção de que também podemos ajudar o Estado brasileiro a promover maior justiça social e tributária no espaço rural com a integração do Incra e de nossa Carreira na fiscalização de dados do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), não só combatendo sua sub-arrecadação, mas, principalmente, alcançando os seus objetivos parafiscais para os quais fora originalmente concebido (incentivo à produção, preservação ambiental e combate à concentração fundiária), no lastro da parceria já prevista em Lei, aplicando nossa reconhecida expertise em avaliação de imóveis rurais, valoração massiva de imóveis rurais e verificação de informações sobre o uso da terra.

Ainda, podemos atuar no desenvolvimento de referenciais oficiais de valores de terras para as bases de tributos que incidem sobre ela, para aprimorar a arrecadação da União, estados e municípios. E, também, na avaliação de imóveis rurais no âmbito federal, auxiliando não só o Incra em sua missão, mas também outros órgãos, autarquias e fundações em suas necessidades, inclusive na qualidade de assistentes técnicos em processos judiciais e em processos de recuperação fiscal, especialmente na avaliação de ativos de grandes devedores da União e na adjudicação de imóveis rurais.

Diante de tantos desafios – e oportunidades –, defendemos a estruturação e fortalecimento do Incra e das demais instituições responsáveis por executar essas atribuições, incrementando as áreas de governança das terras, ordenamento territorial, regularização fundiária, reforma agrária e suporte à agricultura familiar e agroecológica, aplicando-lhes os recursos adequados. Vemos com entusiasmo a recriação de um ministério dedicado a essa área, mas exortamos que sejam evitados erros do passado, por meio de uma relação mais próxima e cooperativa com o Incra e conferindo a devida importância ao tema cadastral e fundiário, para que se torne uma pasta mais relevante e perene.

Com o mesmo grau de importância, necessidade e urgência, reivindicamos a reestruturação das carreiras de servidores dessas instituições, incluindo a nossa, atualmente precarizada, subutilizada e desvalorizada. É preciso dar a estas tratamento e envergadura adequados, similar ao que foi dado às carreiras relacionadas ao agronegócio exportador, haja vista serem as responsáveis por relevantes e essenciais políticas no contexto de combate à fome e às mudanças climáticas, com repercussão na integridade territorial, paz no campo, soberania alimentar e desenvolvimento sustentável.

Isso posto, desejamos pleno êxito ao governo que tomará posse em 1º de janeiro de 2023, na expectativa de encontrar nele ouvidos atentos às propostas aqui elencadas, para as quais há um amplo lastro de fundamentação – inclusive sobre fontes de recursos – e até minutas de normativos, de modo que podemos e queremos colaborar. Destacamos, por fim, que os Peritos Federais Agrários têm potencial, estão maduros e prontos para atuar no projeto de reconstrução nacional e esperam poder participar efetivamente no planejamento e na execução das políticas públicas afetas à terra.

Brasília, DF, 13 de dezembro de 2022.

Diretoria Colegiada do SindPFA

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