No dia 18 de dezembro, foi enviado ao Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) o Ofício nº 76801, assinado pelo diretor de Gestão Operacional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Adriano Varela Galvão, em que notifica a entidade para que desocupe a sala 1407 do Ed. Palácio do Desenvolvimento, sua sede, até o dia 31 de janeiro de 2021, em plena pandemia da Covid-19. O documento fala ainda na cobrança de “débitos retroativos” pela ocupação.
O SindPFA não foi o único: as notificações de desocupação alcançam a Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi), o Núcleo dos Aposentados (uma espécie de sala em que aposentados se encontravam e comercializavam produtos e serviços) e a Associação Nacional dos Servidores do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Assemda), já não existente, onde se instalou uma seção do Sindicato dos Servidores Públicos Federais no DF (Sindsep-DF). A única ressalva foi a Associação dos Servidores da Reforma Agrária em Brasília (Assera), que poderá apresentar documentação pleiteando sua permanência.
A empreitada do Incra pretende, ainda, avançar para a ocupação dos espaços nas superintendências regionais por entidades privadas, como as associações regionais de servidores, e também destas proceder à regularização ou desocupação, bem como à cobrança de valores de “aluguel”, além de “rateio das despesas”, inclusive de forma retroativa pelo período de ocupação.
O Sindicato já vinha pagando ao Incra o rateio das despesas prediais. A Diretoria da entidade avalia as medidas que serão adotadas.
Atualização: Em cumprimento a decisão do Incra, na manhã do dia 29 de janeiro, o SindPFA desocupou e entregou oficialmente as chaves da sala.
Histórico
As ocupações se deram de boa fé, em espaços oferecidos pelo próprio Incra ao longo dos anos, em negociações, greves e até mesmo foram estimuladas por política interna do órgão, como meio de dar condições de sociabilidade aos funcionários, principalmente na Amazônia, onde as condições sociais eram mínimas. Boa parte delas data desde os governos militares e governos a fio – de várias matizes políticas – sempre foram receptivos e respeitosos nesse aspecto: por mais que houvesse embates na seara política, não se conhece episódio de despejo de entidades.
A autarquia nunca demandou por isso qualquer pagamento. Nada obstante, ao ocupar uma sala no 20º andar, em 2014, o SindPFA fez pedido de regularização da cessão mediante o pagamento proporcional das despesas prediais, mas esse processo foi arquivado pelo Incra. Ao ser demandado a mudar de andar em 2018, o SindPFA voltou a formalizar o pedido de regularização e teve atendida até a permissão de reforma de sala no 14º andar, para onde se mudou em 2019, tendo tido despesas com ela.
Contudo, ao ser remetido à Procuradoria, esta foi contrária à cessão de uso não onerosa e, referenciando o pedido de 2014, suscitou a cobrança retroativa das despesas prediais desde então. Colocou, ainda, condições ao Incra para efetivar a cessão onerosa, como, por exemplo, o reconhecimento do interesse público envolvido na atividade do SindPFA e da disponibilidade do espaço. Condições estas que, embora óbvias e fáceis de se cumprir, nunca foram atendidas ou sequer minutadas pela área administrativa, apesar das várias e evidentes contribuições que as entidades prestaram e prestam à Autarquia.
Desde então, a questão vem ganhando contornos persecutórios e se multiplicaram os processos. As manifestações da entidade não foram analisadas a contento, a área administrativa não se posicionou sobre a maioria das questões, levando à adoção de uma visão jurídica no mínimo míope acerca do papel das entidades no órgão e na sociedade civil, ao ponto de ignorarem sua história e contribuições e enxergarem concorrência até onde reina o princípio constitucional da unicidade sindical.
Várias tentativas de diálogo foram frustradas e passou-se a ameaçar não só a cobrança do rateio de despesas retroativas, mas também de aluguel retroativo – a preço de mercado, sem qualquer acordo prévio que o embasasse. Não houve nenhuma tentativa de conciliação ou “negociação na busca de soluções convergentes” pelo Incra, envolvendo as partes, área jurídica, ouvidoria etc., o mínimo esperado em situações dessa natureza.
Neste último ano, outras entidades, como Assera e Cnasi, passaram a integrar esse processo e, em levantamento realizado pelo órgão, pelo menos onze associações regionais de servidores ocupam espaços nas dependências de superintendências regionais e estão sujeitas aos mesmos propósitos do Incra de regularização ou desocupação, inclusive de cobranças de valores retroativos.
A empreitada do Incra faz parecer que os espaços ocupados pelas entidades foram tomados de assalto ou invadidos e trata as entidades de servidores como persona non grata, o que contradiz a própria história do órgão. Até mesmo áreas de lazer estruturadas por essas entidades, já tão escassas, podem ser inviabilizadas, assim como espaços para bancos e restaurantes, evidência cabal da ausência de uma política estruturada de gestão de pessoas – e do desinteresse em se ter uma -, ao atacar iniciativas que proporcionam maior qualidade de vida e boa convivência no trabalho, o que é lamentável.
Apenas recentemente, a partir de junho de 2020, depois de insistência da entidade, o Incra começou a cobrar do SindPFA o rateio das despesas, proporcional à área, uma espécie de taxa condominial. Os valores, na ordem de R$ 2 mil mensais, vinham sendo pagos em dia, por meio de guias emitidas pelo próprio Incra. O que não evitou que a Direção da autarquia preferisse a entidade fora de suas dependências, mesmo no curso de uma pandemia.
Decisão de desocupação
O ofício que notifica o SindPFA para a desocupação já havia sido assinado no dia 14 de dezembro, mas foi enviado somente na sexta, dia 18, horas após o mesmo diretor que o assinou participar, sem constrangimento, da formatura, realizada pela entidade, de mais de vinte Peritos Federais Agrários nos cursos de Especialização e Mestrado em Cadastro Multipropósito e Avaliação, pela Universidade de Jaén (Espanha).
A decisão de notificar o Sindicato a desocupar o espaço foi discricionária, ou seja, um arbítrio do gestor, uma vez que, ao contrário do que diz o ofício, não foi vedada a cessão no âmbito jurídico. As impossibilidades apresentadas por Procuradoria e Auditoria versam sobre a forma da regularização gratuita, restando a via da cessão de uso onerosa, cuja taxa de ocupação poderia ser discutida e negociada. Exemplos utilizados em outros órgãos foram apresentados; no entanto, a notificação ao Sindicato mostra que a Administração não quis sequer discutir essa possibilidade e optou por retirar a entidade.
A Nota Técnica em que se faz a recomendação da desocupação é assinada pelo coordenador-geral de Serviços Gerais, Francisco da Chaga Lima, e pelo chefe da Divisão de Serviços Gerais, o PFA Rui Arruda Falcão, e foi levada a cabo pelo diretor. Nunca foram sequer minutados os documentos demandados pela PFE para a cessão nos moldes em que esta poderia ser efetivada. Pelo contrário, nesta Nota, declaram a “inexistência de interesse coletivo na regularização dessas ocupações”, creditando essa afirmação – que deveria ser resultado de análise do gestor – à área jurídica, e que os espaços “são necessários para a atuação das demais atividades do Incra”, remetendo a problemas estruturais do prédio. Não se explica porque uma entidade pode ficar e outras não.
Paradoxalmente, há, ao menos, três andares desocupados no Ed. Palácio do Desenvolvimento. Os demais, em maioria, como o da antiga área de Obtenção de Terras e até mesmo os três da área administrativa (dedicados às áreas de gestão de pessoas, financeiro/contabilidade e serviços gerais), estão esvaziados por falta de servidores. O Incra tem, provavelmente, o menor efetivo de sua história, não se fala em concurso público e o quadro de esvaziamento se agrava com a ampliação do teletrabalho. O espaço ocupado pelo SindPFA antes abrigava um banco, para o qual não havia interesse institucional. Ao optar por retirar as entidades, o órgão deixa de contar inclusive com o eventual auxílio que estas poderiam oferecer ao custeio das despesas prediais a partir da regularização.
Quanto a enxergar nas entidades interesse coletivo, não pareceu interessante ao Incra nem mesmo ter um espaço para os aposentados, que poderia ser facilmente visto como uma ação de integração de servidores ou um projeto na área de gestão de pessoas, de qualidade de vida etc. Nesse modus operandi, não teriam melhor tratamento as representações políticas dos servidores, que vez por outra precisam agir em favor dos seus contra interesses variados – por vezes escusos – , ainda que haja numerosas e notórias contribuições e parcerias em prol dos servidores e da própria autarquia em diversas áreas.
Os processos, que até então tinham seu último documento datado de setembro – e que, até então, não falavam na saída do espaço pelo SindPFA – , foram movimentados na semana seguinte ao Sindicato anunciar que agiria contra o Programa Titula Brasil, lançado pela Secretaria Especial de Assuntos Fundiários e pelo Incra, o qual terceiriza a prefeituras atividades de Estado do órgão e atribuições da categoria previstas em Lei.
Se o prédio não é habitável e tem problemas estruturais a ponto de se querer dele o esvaziamento, se quase 50% da atual força de trabalho pode se aposentar imediatamente e não há perspectiva de concurso público e se as atividades que tornam o Incra necessário ao Estado podem ser terceirizadas à menor das esferas de poder, o que sobrará deste Incra? Os servidores – e suas representações – podem ser o último obstáculo para seu fim.
Processos
-Pedido inicial em 2014: 54000.000810/2014-07
-Regularização do espaço do SindPFA 2018: 54000.040174/2018-71
-Levantamento de ocupações irregulares: 54000.210263/2018-91 / 54000.109807/2020-98
-Levantamento de ocupações irregulares nas SRs: 54000.039487/2020-00
-Cobrança do rateio de despesas: 54000.064536/2020-34
-Tomada de contas de valores retroativos: 54000.040086/2020-94