Nos últimos dias, o ainda presidente do Incra “desceu ao chão da fábrica” para falar com os que até há pouco tempo não falava nem no elevador. O objetivo era despedir-se, numa tentativa de deixar uma boa visão de sua gestão, para a qual havia prometido transformar a autarquia em um órgão de excelência mundial. Entretanto, perdeu a oportunidade de sair “à francesa”, sem mais esse desgaste, pois poucos serão os saudosos desse tempo último.
A Democracia Socialista, corrente do Partido dos Trabalhadores – PT, ocupou a pasta do Desenvolvimento Agrário nos últimos 12 anos. Em meados de 2012, passou a ocupar também o Incra com o presidente Carlos Guedes de Guedes, quebrando um certo equilíbrio político de forças existentes até então. A DS deixa agora ambos os órgãos, ao alçar voos mais altos no Planalto. Deixa para trás um legado da sua passagem no MDA e no Incra no qual se faz oportuna uma análise na perspectiva de reestruturação dos órgãos agrários.
Sem titubear, podemos afirmar que não era sem tempo a sua saída. Especialmente nos últimos dois anos, em que a corrente deteve o total domínio da pasta, o órgão passou por momentos angustiantes. Definhamento da política agrária, redução do orçamento para a pasta, desvalorização dos servidores – com acentuada visão depreciada da carreira dos Peritos federais Agrários -, ausência total de perspectiva diante da redução das suas atribuições.
Uma de suas últimas ações foi criar um nome fantasia para o Incra. Sim, em uma proteção de tela instalada nos computadores do órgão e no seu site, a sigla agora significa Cidadania e Reforma Agrária. Ora, este é um órgão criado por lei e não se muda sua missão institucional simplesmente criando uma nova marca. Mais um exemplo dos já costumeiros factoides, sem nenhum resultado prático.
Interessante que a DS intitula-se como a corrente mais à esquerda do PT. Isso não se verificou, porém, na sua atuação no Incra e no MDA.
Numa pasta voltada essencialmente para um trabalho de justiça social, foi justamente onde se verificou os maiores retrocessos. A política do governo era outra. Cada vez mais próxima de setores expressivos e poderosos do campo, em detrimento dos menos privilegiados, a DS não só concordou com essa ótica, sem resistência, como pôs em execução um desmonte dos órgãos agrários, estritamente como lhe fora encomendado. Não há como conceber que quem faça isso esteja numa linha política mais à esquerda.
No recente Relatório de Acompanhamento das Metas Institucionais do Incra do período de maio a dezembro de 2014, publicado no último dia 23/2, é apontado que o número de famílias com crédito instalação concedido alcançou apenas 8% da meta. Tarefas relativamente simples como a confecção da Relação de Beneficiários que precisam acessar as políticas de desenvolvimento, a exemplo do Programa Minha Casa Minha Vida Rural, e envio às entidades organizadoras foi de apenas 40%.
Ora, é especialmente no desenvolvimento de assentamentos, área que a atual direção prometeu priorizar, onde se encontram os piores resultados. A qualificação dos assentamentos já criados, artifício utilizado pelos gestores para desapropriar menos, provou ser uma falácia. Não foi verificada a melhora propalada na qualidade de vida das pessoas já assentadas e os resultados mostram isso. Na assistência técnica, vimos o governo anunciar a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – Anater, que não saiu do papel.
Já os resultados na área de obtenção de terras chegam a ser risíveis. Em uma notícia veiculada em 8 de janeiro na rede interna, o Incra se vangloriava por ter assentado 32.019 famílias em 2014, ante a uma meta de assentamento de 30 mil famílias. Entretanto, desse total, apenas 7.399 foram em assentamentos novos e as outras 24.620 em assentamentos já existentes (o que conhecemos como reassentamento). Ou seja, a direção da Autarquia comemora ter cumprido a meta assentando apenas 23% das famílias em novos assentamentos.
Na gestão territorial não foi diferente. Depois de 12 anos da Lei 10.267/2001, por exemplo, foi que o Incra resolveu lançar um sistema eletrônico para recepcionar as coordenadas dos polígonos georreferenciados das parcelas rurais (o Sistema de Gestão Fundiária – SIGEF) e ainda o fez precariamente, sem as conexões necessárias com os sistemas existentes e subvertendo as atribuições que a legislação lhe impõe. Só a ausência de batimento do código de imóvel rural com o Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR (criado pela Lei 5.868/72), o cadastro oficial, já denota uma grande irresponsabilidade em relação à segurança jurídica, vez que os imóveis rurais “certificáveis” à luz da legislação somente são cadastradas no SNCR após uma cuidadosa conferência documental.
O Programa Terra Legal – vejam só que beleza – uma atribuição do Incra foi-lhe retirada com prazo de validade, como se essa fosse uma atividade temporária. Todavia, depois de cinco anos, a execução foi de 15% do que prometeram fazer em três. Sem falar de uma série de irregularidades apontadas recentemente pelo Tribunal de Contas da União – TCU, que pode alcançar a metade do pouco que foi feito.
Não foram raras as tentativas desses gestores de atribuir a culpa por esses fracassos aos servidores, principalmente aos Peritos Federais Agrários, por lutarem – de maneira justa – pela qualificação de procedimentos, como o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs). Solicitados há 10 anos, a ausência desses equipamentos tem causado paralisia no funcionamento do órgão. Somente agora quando ordenado judicialmente, o órgão começa a atender (embora parcialmente) essa reivindicação histórica. Ora, que fique claro: a direção desconsiderou essa demanda e não a fez porque não quis; porque executou um inequívoco comando de paralisar a autarquia e suas atividades. Nada mais transparente que essa realidade, os fatos assim demonstram.
Quando se fala em servidores, é de dar tristeza o clima organizacional da Autarquia. Uma desmotivação sem precedentes causada por esses anos todos de ausência de perspectiva e de comprometimento com a política pública. Uma combinação de falta de clareza no objetivo, tratamento autoritário, inexistência de diálogo e transparência, salários baixos e aposentadorias precoces. Talvez esteja aqui o legado mais nefasto deixado por estes gestores. Resgatar a autoestima dos servidores será uma tarefa grandiosa da nova gestão do MDA e Incra.
Diante disso, o que esperar daqui pra frente?
Parece que o novo ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, tem muita disposição ao diálogo e um discurso mais firme para a missão da pasta; as mudanças de comando no MDA já vêm ocorrendo e as do Incra estão próximas. Não obstante a necessidade de haver critérios na escolha de novos gestores, a indefinição, já no terceiro mês do ano, não é coisa muito boa. Vê-se o Incra ainda completamente parado, à espera de alguém que estabeleça uma linha de trabalho, um rumo. À espera de um milagre, talvez.
O que o SindPFA espera é que o Ministro não se deixe levar pelo canto da sereia da DS e suas ideias mirabolantes de excelência mundial que ainda o cercam. Que esse legado nefasto não seja um balizador das ações do Ministério. Esperamos que Patrus Ananias escolha bons gestores, compromissados com as mudanças necessárias, a partir de um diagnóstico real e não das “maravilhas” virtuais vendidas pelos demissionários, em algum power point bonitinho, como a proposta de atualização do Incra, já tratada aqui.
A realidade ainda é cruel no campo. Milhares de famílias ainda sofrem embaixo de lonas, pequenos agricultores continuam à espera de crédito, infraestrutura, assistência técnica e outras políticas públicas que garantam o real desenvolvimento. A insegurança jurídica ainda permeia no rural brasileiro, sem a adequada governança de nossas terras. No Incra, as estruturas estão esvaziadas e os poucos servidores que restam estão desmotivados, sem perspectivas, amargando os piores salários da Esplanada. Há muito trabalho pela frente. Temos a esperança de poder contar com a gestão que assume agora para, juntos, reorganizar e reestruturar os órgãos agrários no Brasil.
SEDE / DF