A sexta edição do projeto Diálogos Agrários foi mais uma prova de que a informação de qualidade e bem embasada é a melhor arma contra o autoritarismo e a perseguição. Realizado na noite dessa quarta-feira (9), o webinário, conduzido pela Diretora Presidente do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA), Djalmary Souza, teve como tema a reforma administrativa encaminhada ao Congresso Nacional pelo Executivo federal no último dia 3. O evento foi transmitido ao vivo pelo YouTube e Facebook.
O SindPFA tem somado forças com entidades no Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) na busca pela qualificação do debate, por meio de dados e análises técnicas (leia mais aqui), e também na interlocução com parlamentares e outros atores no processo. Para o Diálogos Agrários de ontem, o Sindicato convidou o deputado federal Israel Batista (PV/DF), coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público no Congresso Nacional; Rudinei Marques, presidente do Fonacate; José Celso Cardoso Jr., presidente da Associação dos Servidores do Ipea e Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea (Afipea); e Marcelino Rodrigues, presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe). Ao lado de Djalmary Souza, o Vice-Diretor Presidente do SindPFA, João Daldegan, também foi anfitrião do encontro.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 32/2020 será analisada pela Câmara e pelo Senado e, por se tratar de uma PEC, precisa ser aprovada em dois turnos de votação por três quintos dos parlamentares de cada Casa (308 deputados; 49 senadores). Na visão do SindPFA, compartilhada por diversas outras entidades de classe, estudiosos do tema e autoridades, não apenas o momento é inoportuno, uma vez que vivemos uma pandemia que já ceifou a vida de quase 130 mil pessoas, mas também o texto apresentado não ataca os problemas estruturais e coloca nas costas do servidor público todo o peso das mazelas que afligem a administração pública. “Está claro que há uma tentativa de vilanizar o servidor público com o objetivo de precarizar o funcionalismo e os próprios órgãos, fragilizando o Estado e fortalecendo governos de plantão. Estamos determinados a fazer valer nossa voz nesse debate sobre a reforma para garantir que haja aprimoramento, e não sucateamento”, afirma Djalmary Souza. Mas os dirigentes destacaram que isso exigirá envolvimento das bases sindicais e da sociedade civil.
O debate pode ser assistido na íntegra no player abaixo ou clicando aqui.
O que foi dito
Após a abertura, quando a Diretora Presidente do SindPFA contextualizou o tema da reforma administrativa, o primeiro palestrante foi o deputado Israel Batista. O parlamentar, que coordena frente em defesa do serviço público com integrantes das duas Casas, criticou o açodamento em iniciar as discussões sobre tema tão complexo nesse momento de pandemia. “O Congresso Nacional está sem reuniões físicas, não está podendo fazer a instalação das comissões especiais, e é justamente nessas comissões que acontece o debate do mérito. É lá que servidores e a sociedade civil organizada podem se pronunciar”, afirmou. Batista criticou, ainda, a tentativa de acabar com estabilidade dos servidores, algo que classificou como retrocesso. “A estabilidade foi criada [pela Constituição Cidadã de 1988] para evitar o poder arbitrário dos políticos de plantão. Para evitar que os poderosos pressionassem os servidores públicos a tomarem atitudes que não fossem republicanas e, principalmente, legais. Então a reforma leva o Brasil a um estágio de desenvolvimento das instituições pré-democrático”, disse.
Em seguida, ao passar a palavra para Rudinei Marques, Djalmary alertou para a necessidade de envolvimento de todos os setores da sociedade. “Os prejuízos são para todos, não apenas para os servidores, pois o que está em jogo é o sucateamento do já combalido serviço público sob o pretexto de aprimorar o Estado”, afirmou, pedindo, em seguida, para que Marques comentasse sobre a coordenação dos esforços das 32 entidades que compõem o Fonacate.
Para o presidente do Fórum, é preocupante que o governo tenha criado esse estigma ligado ao serviço público e “alimentando preconceitos” em várias ocasiões. “A PEC 32 é mais um ataque dentre diversos outros que vem se encaminhando nesse período. (…) Nós temos mostrado, com as nossas publicações técnicas, é que todo esse discurso não se sustenta. Nós já demonstramos, de forma cabal, que a máquina não está inchada, que não há exorbitância nos gastos com funcionalismo, pelo contrário. A média do Executivo, que concentra 93% dos servidores públicos do País, é, se considerarmos todos os entes federados, nós estamos falando de [média salarial de] R$ 4.200. Então não tem nenhuma exorbitância nisso. Se tem algum ponto fora da curva tem que ser corrigido”, explicou.
Marques criticou, também, a tentativa de culpar os trabalhadores do setor público por falhas que possam ocorrer na prestação dos serviços. “Os grandes problemas da máquina pública de eventual falta de eficiência em uma ou outra área, pelos próprios acórdãos do Tribunal de Contas da União, têm a ver com a falta de planejamento e, muitas vezes, de investimento, qualificação, equipamentos. Então tudo isso tem que ser dito para desconstruir essa ideia de que o serviço público custa caro, é ineficiente e está inchado”, argumentou. Ele ainda antecipou os próximos passos do que classificou como “longa batalha” durante a tramitação da proposta. “Vão ser montadas as comissões pra tratar do assunto, na Câmara e no Senado, as audiências públicas, que nós precisamos estar presentes para fazer a defesa qualificada, temos que apresentar emendas e fazer esse debate com a mídia”, elencou, pedindo que os quase 12 milhões de servidores públicos adiram a essa causa. “Vai ser fundamental mobilizarmos mais as nossas bases porque não se faz um enfrentamento dessa magnitude só com dirigentes sindicais”, disse.
Em seguida, José Celso, que é também coordenador da Comissão de Estudos do Fonacate, resumiu sua visão sobre a reforma proposta pelo governo logo no início de sua fala: “Ela não resolve nenhum dos problemas reais da estrutura e modo de funcionamento do Estado brasileiro e piora vários outros.” E foi além. “A reforma administrativa é a cereja do bolo desse processo amplo de desmonte que está em curso, e ela é grave justamente por isso. Porque ela afeta, busca atingir, a estrutura fundamental do estado em qualquer lugar do mundo, inclusive no Brasil desde 1988.”
De acordo com José Celso, o burocratismo e o autoritarismo deveriam ser os reais alvos de uma reforma que se propusesse a aprimorar o Estado. Ele elencou o que chamou de cinco fundamentos estruturantes do Estado republicano e democrático: i) a estabilidade na ocupação, visando a proteção contra arbitrariedades – inclusive político-partidárias – cometidas pelo Estado-empregador; ii) remunerações adequadas e previsíveis ao longo do ciclo laboral; iii) qualificação elevada e capacitação permanente no âmbito das funções precípuas dos respectivos cargos e organizações; iv) cooperação – ao invés da competição – interpessoal e intra/inter organizações como critério de atuação e método primordial de trabalho no setor público; e v) liberdade de organização e autonomia de atuação sindical.
Marcelino Rodrigues completou as falas dos convidados e criticou a falta de substância do discurso adotado pelo governo, que alardeia o fato de que a reforma não atingirá os atuais servidores. “Estão usando o servidor público para efeito de especulação. O que nós sabemos é que já existe um movimento, por parte de alguns parlamentares, e talvez já pensado por quem encaminhou essa reforma, para que no âmbito do Congresso isso seja alterado para que chegue ao servidor. Até porque eles falam sempre em R$ 300 bilhões [de economia] em dez anos. Ora, se isso só vai atingir os futuros servidores, pelo discurso deles, e se nós estamos num momento em que não temos perspectiva de concurso público, de onde vai vir esse dinheiro”, questionou.
Outro ponto observado por Rodrigues foi o discurso de que as carreiras de estado seriam preservadas. “O que se vê nessa reforma é que ela tende a trazer um enfraquecimento do serviço público como um todo, mesmo diante dessa questão que se fala que as carreiras de estado serão preservadas. Mas que carreiras, já que isso deve ficar para um segundo momento? Ou seja: é tudo colocado de uma forma pra tentar amenizar, que só servirá para os futuros, que não atingirá as carreiras de estado, quando, na verdade, nem uma coisa nem outra ainda é certa”, analisou.
O Incra
Em seguida , coube a João Daldegan comentar a reforma sob a perspectiva dos servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). “A PEC da reforma prevê dar ao presidente da República maiores poderes de legislar sobre a Administração Pública, podendo criar ou extinguir carreiras e órgãos, o que hoje exige Lei. Esse ponto afeta órgãos como o Incra e muitos outros. Em momentos de pouco apreço às instituições, isso não é um grande risco?”, questionou Djalmary.
Daldegan demonstrou preocupação com o trecho que trata do artigo 84 da Constituição, o qual, por sua vez, versa sobre os poderes do chefe do Executivo. Na nova redação proposta pelo governo, ele teria poderes para “extinção, transformação e fusão de entidades da administração pública autárquica e fundacional”. “Isso, para nós, é muito temerário. Nós [Incra] somos uma autarquia, então estaríamos sujeitos a esse despotismos, de você simplesmente nos extinguir, algo que aconteceu. Nós fomos extintos em 1987. Este Incra, que dois meses atrás completou 50 anos, em 87 foi extinto. E, depois de 17 meses, voltou, já em 89. Mas isso graças ao empenho aguerrido dos servidores à época, pela sua mobilização na sociedade, que fez transparecer a importância do Incra”, relembrou.
Daldegan criticou ainda a completa ausência de diálogo do governo com os servidores no processo de construção da proposta enviado ao Congresso. Ao comparar a reforma administrativa com uma reforma em uma casa, o dirigente questionou: “Que reforma é essa que não quer saber a opinião de quem trabalha na casa?”
O projeto
Com o Diálogos Agrários, o SindPFA abre uma nova frente de debates e disponibiliza aos seus filiados e demais interessados um espaço para o crescimento profissional e a difusão de conhecimento. Seis edições já foram realizadas, incluindo três especiais com ex-presidentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ao início das transmissões, um link é divulgado para que os interessados possam requisitar certificado de participação.
Currículos
Deputado Prof. Israel Batista
Cientista Político pela Universidade de Brasília, professor, palestrante, foi deputado distrital por dois mandatos no DF e, atualmente, é deputado federal pelo PV-DF. É coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público no Congresso Nacional.
Rudinei dos Santos Marques
Mestre e Doutor em Filosofia pela PUCRS, graduado em Processamento de Dados e em Filosofia pela Unisinos e em Ciências Contábeis pela UFRGS e especialização em Contabilidade, Auditoria e Finanças Governamentais pela mesma Universidade. É Auditor Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União, Presidente do Sindicato da categoria (Unacon Sindical) e do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate).
José Celso Cardoso Júnior
Doutor em Desenvolvimento pelo Instituto de Economia da Unicamp, desde 1997 é Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA e professor dos Mestrados Profissionais em Políticas Públicas e Desenvolvimento do IPEA e Governança e Desenvolvimento da ENAP. Atualmente, exerce a função de Presidente da Afipea-Sindical, o Sindicato dos Servidores do IPEA.
Marcelino Rodrigues Mendes Filho
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. É Procurador da Fazenda Nacional (PGFN) e Presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe).
Djalmary de Souza e Souza
Engenheira Agrônoma pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Mestre em Fitotecnia na Universidade Federal de Viçosa (UFV), está concluindo a Especialização em Cadastro Multipropósito pela Universidade de Jaén (Espanha). Perita Federal Agrária do Incra desde 2008, é Presidente do SindPFA.
João Daldegan Sobrinho
Mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento pelo Ipea. Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal de Lavras (Ufla), pós-graduado em Planejamento e Administração Florestal pela Ufla e Educação e Gestão Ambiental pela UEMG. Perito Federal Agrário do Incra desde 2008, é Vice-Presidente do SindPFA.
Por RODRIGO RAMTHUM