Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2024

É verdade?
Análise sobre a apresentação de proposta de reestruturação das carreiras do Incra por Leonardo Góes

No final de 2017, no dia 18/12, foi publicada na página do Incra na internet notícia em que o Presidente da Autarquia, Leonardo Góes, apresentou uma proposta de reestruturação das carreiras dos servidores a Eliseu Padilha, Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República. O SindPFA foi informado no início do ano por ofício do Chefe de Gabinete.

A reestruturação é bem-vinda e necessária, pois são notórias as disparidades entre a remuneração dos servidores do Incra quando comparada com a de carreiras assemelhadas, fruto da negligência dos governos ao longo dos tempos com a política agrária, por eles tornada sem importância, resultando na miséria institucional em que se encontra o órgão. Mas é tangível nesses termos e no atual contexto?

O documento entregue por Leonardo Góes é fruto de um Grupo de Trabalho que discutiu a reestruturação das carreiras do Incra, implementado pela então Presidente do órgão, Maria Lúcia Falcón, no Dia do Servidor Público (28/10) de 2015, por meio da Portaria Incra nº 571/2015. Portanto, há mais de dois anos. O Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) participou dos trabalhos.

O objetivo primário do Grupo era tentar buscar uma solução para o problema ainda naquele exercício, pois em 2015 encerrava-se a vigência dos acordos salariais das carreiras do Incra e o Governo negociava com entidades acordo para os anos seguintes. Durante os trabalhos à época, a Direção do Incra chegou a participar de tratativas salariais no Ministério do Planejamento, assim como a Secretaria Executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Contudo, os esforços não lograram o êxito almejado. O momento político já mostrava instabilidade e o Planejamento não foi receptivo. Os servidores da Carreira de Reforma e Desenvolvimento Agrário acabaram por firmar, ainda no final de 2015, acordo salarial de 10,8% em duas parcelas, sendo uma em agosto de 2016 e outra em janeiro de 2017. O acordo foi contemplado no Projeto de Lei  4.252/2015, enviado pelo Executivo em 31/12/2015. Resultou na Lei 13.326/2016, sancionada em 29 de julho de 2016.

Os Peritos Federais Agrários, por estratégia do SindPFA, não firmaram acordo e insistiram lutando no ano seguinte. A Diretoria Colegiada da entidade trabalhou para pressionar o Incra e o MDA e conseguiu agendas no Ministério do Planejamento em 2016 em meio à instabilidade política que, pouco tempo depois, destituiria a Presidente da República, Dilma Rousseff. 

Na véspera do afastamento pela Câmara, o SindPFA firmou acordo de 27,9% de reajuste, em três parcelas: janeiro de 2017, 2018 e 2019. A primeira parcela foi de 12,9%. O acordo foi transformado no Projeto de Lei 5.865/2016, apresentado pelo Executivo ao Congresso Nacional em 1º/8/2016.

O Grupo de Trabalho criado por Lúcia Falcón caiu em desgraça. Somente em agosto de 2016, para não ficar com resultado pendente, recebeu um relatório e foi concluído, por mera formalidade. Leonardo Góes já era Presidente do Incra.

O PL que continha o reajuste dos PFAs passou uma tramitação difícil, sob os discursos de austeridade dos novos governantes. Daquele mês até dezembro de 2016, o SindPFA empreendeu grandes esforços pela aprovação sem emendas do PL, ao lado de líderes sindicais das carreiras da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal e de servidores do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), também incluídos no projeto.

Foi marcante, nessa empreitada, a participação da Direção dos próprios órgãos no processo. As entidades sindicais das polícias contaram com apoio contínuo e irrestrito da Assessoria Parlamentar de ambas as instituições em todas as tramitações e, em algumas ocasiões, dos Diretores-Gerais. Contudo, não se verificou do Presidente do Incra, Perito Federal Agrário que é, participação explícita no processo, nem foi designado representante institucional para acompanhar as atividades legislativas ao lado das entidades. Procurado pelo Sindicato às vésperas de uma reunião das carreiras com o Ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, em 1º de novembro de 2016, Góes ficou no “depois venha aqui e me informe como foi”.

Durante a segunda edição do Congresso Nacional dos Peritos Federais Agrários (II CNPFA), realizado no final de novembro e início de dezembro de 2016, o Projeto de Lei foi, enfim, aprovado no Senado e foi encaminhado à sanção. Representantes da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF) congratularam-se com os PFAs no encerramento do evento e parabenizaram a categoria, tanto pelo Congresso realizado como pela parceria constituída ao longo do ano.

O trabalho das entidades não parou por aí, ainda buscou que a sanção ocorresse antes da promulgação da Emenda Constitucional 95, resultado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016. E conseguiu. A Lei 13.371/2016, de 14 de dezembro de 2016, foi sancionada um dia antes da promulgação da PEC que disciplina o teto dos gastos públicos, evitando futuras interpretações de inconstitucionalidade do reajuste.

De lá pra cá, foram só más notícias. Iniciativas que evidenciam a condição do quem se opõe ao Serviço Público, tais como o Programa de Desligamento Voluntário (PDV), a extinção de cargos, além, é claro, da ameaça de adiamento dos próprios reajustes salariais já determinados em Lei, aumento da contribuição previdenciária e a Reforma da Previdência, ainda premente.

Após decisão de Ricardo Lewandowski, Ministro do STF, de suspender a Medida Provisória que adia o reajuste dos servidores, o Ministério do Planejamento insiste que “a manutenção das medidas é importante para garantir a estabilidade das contas públicas”. O Ministro Dyogo Oliveira chegou a ameaçar que os servidores terão de devolver aos cofres do Governo a parcela de reajuste deste mês.

As dificuldades também não faltaram ao Incra, institucionalmente. O orçamento para a Autarquia em 2017 foi o mais baixo das últimas duas décadas. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2018 apresentado pelo Ministério do Planejamento trouxe propostas de cortes que beiraram os 90% em algumas atividades, a ponto de querer se buscar manter pelo menos o orçamento de 2017 em negociações no Congresso.

É manifesta a situação dramática do órgão, que respira uma única política: titulação. Persiste falta de direcionalidade para depois dos títulos, apesar de esforços como os do SindPFA e de outros setores para discutir uma nova governança agrária – pressuposto intrínseco para a estruturação de uma institucionalidade que justifique o fortalecimento das carreiras de servidores do Incra de forma sustentável.

É nesse contexto que Leonardo Góes apresenta proposta de reestruturação das carreiras à Casa Civil, utilizando-se do relatório do Grupo de Trabalho concluído há mais de um ano. Superintendentes regionais também propalaram fazer esforços para levar isso adiante. Muitos dos quais sairão de seus cargos em breve para concorrer nas eleições deste ano.

Todavia, a implementação – e até mesmo a própria apresentação – dessa proposta encontra dificuldades de passar pelo filtro da coerência e do nexo entre os fatos. O momento político e econômico e a postura do Governo no trato com o servidor público também a põe em xeque.

Os avanços que conseguimos nos últimos anos foram sob muitos desgastes, superando mesas de enrolação, reuniões para marcar outras reuniões, preterições e outras humilhações. Neste Governo, não tem sido diferente: o único contato com o Secretário de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público do Planejamento foi para ele informar o adiamento do reajuste, aumento da contribuição previdenciária e o igualamento de salários com a iniciativa privada, ideias das quais se infere uma visão completamente distorcida do Serviço Público.

Dúvidas também pairam em relação à possibilidade de avanços limitados a uma tabela salarial, não atrelados a mudanças na política de atuação e na estrutura institucional que responda a ela. Não à toa o SindPFA vem empreendendo esforços para pregar uma nova governança agrária, relevante para o país, que motive os demais avanços em cadeia e os mantenha. Não os vimos.

Um dos aprendizados carregados dessas lutas é que criar falsas expectativas nos servidores é prática nociva, pois as frustrações só agravam o clima institucional já demasiadamente deteriorado. Já se dizia isso desde a criação do tal Grupo, mais um dentre vários outros que, até prova em contrário, restaram inúteis. Vimos muitos gestores anunciarem e enviarem documentos ao Planejamento (vide exemplo do Aviso Ministerial de Patrus Ananias), mas resumiram a atuação a mero protocolo.

Por tudo isso, o pretexto de busca de valorização das carreiras mediante a entrega do documento por Leonardo Góes carece de certa verossimilhança, à luz do prisma da história do Governo, do Incra e da própria atuação do Presidente. Isso não representa nenhuma oposição à iniciativa, é apenas ceticismo. E, pela experiência e observação dos fatos, faz bem cultivá-lo. 

Em se tratando meramente um fato político, também não se verifica nele oportunidade e conveniência na atual conjuntura, senão pessoal.

Propomos que Incra, Casa Civil e Planejamento, em sendo verdadeiros na intenção, sejam claros em relação à concretude da reestruturação, com posicionamento sobre o mérito da proposta, estabeleçam um processo com a participação das entidades representativas e definam um calendário real de negociações, do qual se espera a participação direta do Presidente do Incra.

Do contrário, é mais do mesmo.