Sábado, 14 de Dezembro de 2024

Incra sob ameaça: reforma administrativa pode inviabilizar órgão
Com perda de estabilidade, super poderes para o chefe do Executivo, entre outros absurdos, texto apresentado pelo governo foi tema de debate promovido pelo SindPFA em parceria com a Cnasi-AN e Assera/BR

O Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) realizou, em parceria com a Associação Nacional dos Servidores Públicos Federais Agrários (Cnasi-AN) e com a Associação dos Servidores da Reforma Agrária em Brasília (Assera/BR), edição do Diálogos Agrários tratando novamente de reforma administrativa, desta vez focando em seu impacto direto no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O webinário, ocorrido na segunda-feira (5), foi transmitido ao vivo pelo YouTube e Facebook.

Importante lembrar que o SindPFA já havia realizado edição para tratar do tema de forma mais ampla. Para esta sobre o Incra, foram convidados o advogado Rudi Cassel, especialista em Direito do servidor público; Marcela Machado, Diretora de Articulação e Políticas Sociais da Cnasi-AN; e Luiz Beserra, Diretor da Assera/BR. A Diretora Presidente do SindPFA, Djalmary Souza, participou do evento, que teve a mediação de João Daldegan, Vice-Presidente da entidade.

O objetivo foi o de debater os impactos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 32/2020 não apenas para os atuais servidores, mas também para os aposentados, além de fazer uma correlação das ameaças dessa proposta com o Incra, levando ao debate da situação do órgão, com o prognóstico que se desenha para 2021, especialmente em termos orçamentários. “É preciso deixar claro que o momento é delicado e ninguém está protegido dos arroubos daqueles que querem desmantelar o serviço público. É preciso mobilização e engajamento de todos”, afirma Daldegan. “A participação da Cnasi-AN e da Assera/BR foi bastante salutar e mostra que o caminho é o da união”, disse.

O vídeo está disponível na íntegra em nosso canal no YouTube e na nossa página no Facebook.


O que foi dito

O debate teve início com a fala do doutor Rudi Cassel, especialista em direito do servidor público. O advogado explicou como percebe a reforma proposta pelo governo. “Eu costumo dividir a reforma em quatro eixos: o primeiro diz respeito ao que altera em relação aos princípios, ao papel do Estado, o segundo diz respeito a como os atuais servidores são atingidos, o terceiro eixo diz respeito a como será o futuro das relações de trabalho no serviço público, que mudam radicalmente, e o quarto eixo diz respeito a certas flexibilidades orçamentárias nada simpáticas sob a perspectiva da possibilidade de desvio de recursos na administração pública do futuro”, afirmou.

Cassel passou, então, a explanar os efeitos de uma eventual reforma nos moldes do texto encaminhado ao Congresso pelo Executivo para os servidores do Incra, ativos ou aposentados, e para o próprio órgão, que vem sofrendo anualmente com cortes no orçamento e defasagem do quadro de servidores. Sobre a insegurança relacionada a quais carreiras serão enquadradas como típicas de Estado, ele fez um importante alerta.

“Não é mais carreira [em caso de reforma]. Veja, a Constituição é alterada, ela não prevê mais carreiras típicas de estado, ela prevê cargos típicos de estado. Então, dentro de uma carreira, eu posso ter cargo típico e não típico. E isso não é garantia pra ninguém, esqueçam o que tradicionalmente se aplicava, porque eu ainda terei que definir quais são os cargos típicos de estado por lei complementar. Então não tem nenhuma garantia, além da tradição, porque eu não tenho lei dizendo isso, eu tenho tradição”, explicou.

Um vídeo com os principais pontos abordados pelo especialista pode ser assistido abaixo:

Na sequência, a Djalmary Souza foi taxativa ao avaliar os riscos de uma reforma açodada e sem foco no verdadeiro aprimoramento da administração pública. “Essa proposta nada tem de reforma. Pois, quando a gente fala de reforma a gente subentende melhorar algo, ninguém reforma uma casa pra piorá-la, mas não é isso que vai acontecer. Essa PEC propõe alterar dispositivos que na verdade irão precarizar as relações de trabalho”, sentenciou. A Diretora Presidente do SindPFA também manifestou preocupação com a inclusão de pontos que podem dar super poderes ao chefe do Executivo, facilitando sobremaneira a extinção de órgãos. “A gente tem um quadro muito preocupante quando a gente trata desse poder dado ao presidente da República numa situação em que o Incra, entre vários outros órgãos, vem sofrendo com cortes de orçamento e redução de recursos humanos”.

Já Marcela Machado demonstrou descrença na capacidade de diálogo das autoridades. “Eu não espero desse governo, e de nenhum outro, mas, especificamente desse, uma solidariedade ou algum tipo de benevolência no debate público. O debate eles estão fazendo entre eles”, constatou. “A reforma administrativa está inserida num conjunto de ajustes do Estado que não é de agora. A gente já teve a reforma da previdência, teve a reforma trabalhista. Em governos anteriores a gente também teve um conjunto de reformas, inclusive o aprofundamento da terceirização, e o próprio surgimento de outros vínculos que não o estatutário, do regime jurídico único”, disse a representante da Cnasi-AN, apontando para o que considera ser o caminho correto para os servidores. “A única forma da gente abrir algum canal de diálogo, inclusive para viabilizar algum tipo de disputa até mesmo no parlamento, é com a mobilização”, concluiu.

Luiz Beserra concordou com a colega. “Em momentos de crise a gente tem que buscar a unidade e o trabalho conjunto”, disse, aproveitando para fazer uma análise do cenário atua no Incra. “O que já foi o Incra? Como ele se apresenta hoje? Neste governo, existe uma meta, para esses quatro anos, de 600 mil títulos, envolvendo a área de reforma agrária e envolvendo, também, regularização fundiária. Mas o que a gente observa? Estruturas deficitárias na condição de trabalho e o mesmo se aplica aos nossos recursos humanos, materiais e financeiros”, afirmou.


Orçamento

O SindPFA prepara matéria especial, que será publicada nas próximas semanas, analisando detalhadamente o orçamento do Incra nos últimos anos. O estudo tem o propósito de jogar luz na questão e embasar propostas e ações futuras da entidade na busca pelo resgate da valorização da autarquia, que presta relevante serviço ao Brasil e aos brasileiros, em especial os mais vulneráveis.


Seleção de contos e crônicas

Ao final do evento, João Daldegan anunciou a seleção de contos e crônicas sobre o Incra prevista no edital lançado conjuntamente pelo SindPFA e CNASI-AN. A ideia é resgatar histórias e acontecimentos que ilustrem a importância do trabalho do órgão, que completou 50 anos em 2020. Os textos poderão ser submetidos até janeiro de 2021 e todas as informações estão no nosso site.

“Acredito que o debate foi muito esclarecedor e vamos intensificar as ações nas bases. Estamos no caminho certo para o enfrentamento ao desmonte do serviço público e contamos com o apoio de todos os que defendem as instituições e a própria democracia”, avaliou.


Currículos

Rudi Cassel

Advogado, fundador de Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados, escritório com atuação exclusiva em Direito do Servidor Público.

Marcela do Amaral Pataro Machado

Diretora de Articulação e Políticas Sociais da Cnasi-AN. Graduada em Direito, com especializações em Direito Constitucional e em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais. É Analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário do Incra desde 2006, lotada em Santa Catarina.

Luiz Beserra Cavalcante

Diretor da Assera/BR. Técnico Agropecuário e Administrador. Desde 1981 é servidor do Incra, com uma longa carreira dedicada ao órgão, tendo ocupado vários cargos de gestão. É lotado em Brasília-DF.

Djalmary de Souza e Souza

Diretora Presidente do SindPFA. Engenheira Agrônoma, com especialização em Cadastro Multipropósito e mestrado em Fitotecnia. É Perita Federal Agrária do Incra desde 2008, lotada no Amazonas.

Mediador: João Daldegan Sobrinho

Vice-Presidente do SindPFA. Engenheiro Agrônomo, pós-graduado em Planejamento e Administração Florestal e em Educação e Gestão Ambiental, Mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento pelo Ipea. Perito Federal Agrário do Incra desde 2008.